
OS MISERÁVEIS NA PARIS DO SÉCULO XXI
por Alvair Silveira Torres Junior
Na Paris de Victor Hugo, cenário da monumental obra literária Os Miseráveis (Victor Hugo, 1862), este magistral romance conta-nos a história dos desvalidos e traz à luz os pobres como protagonistas. Era o século XIX. Agora, Sob as Escadas de Paris, o diretor estreante Claus Dexel - de forma bem mais modesta na profundidade e na complexidade do tema, mas não menos humana - revela os pobres deste século ocupando as partes ocultas de uma Paris em becos, porões, túneis. Enfim, com sua câmera mergulhando nas partes baixas daquela cidade e revelando sem tetos e imigrantes ocupando os espaços mais improváveis e escuros para se viver na cidade “das Luzes”.

A história é simples e linear em que uma senhora sem-teto (sabe-se depois uma ex-cientista com algum trauma do seu passado) passa a ajudar um menino africano perdido de sua mãe, a reencontrá-la antes que ela seja deportada pelas autoridades francesas.
A história se reveste de um espírito de fábula urbana através da sucessão de cenas dos personagens perambulando pela cidade, encontrando-se com outros desvalidos, pobres, gangues, migrantes e, ocasionalmente, tendo que lidar com a rudeza e indiferença de autoridades e cidadãos.
O diretor escolheu um encontro improvável da senhora sem-teto com o menino perdido, mais a ingenuidade da solução de procurar a mãe em meio ao complexo da cidade, para denunciar as graves questões da imigração e da gestão da pobreza em Paris. Não se busca verossimilhança nas cenas, mas despertar o pathos do espectador para a situação de exclusão social, em meio à poesia e leveza pungente da história.
Entretanto, apesar do valor da proposta da obra, o espectador poderá perceber um excesso de ingenuidades da história, com exageros que fazem o diretor perder a mão em algumas cenas, ao parecer que se quer arrancar lágrimas a qualquer custo. Muitos encontros no percurso da história são excessivamente improváveis e algumas situações querem passar um certo humor, mas também nisso se perde o equilíbrio.

Em suma, o filme tem problemas no alcance do seu propósito ao se recusar em trazer à tona uma denúncia mais objetiva do problema com alguma dose de indignação dos personagens. Isso caberia muito bem sem quebrar a poesia e leveza propostas, porque todos sentimentos humanos ocorrem misturados até nas almas mais puras, e de todos eles também precisamos para revelar a crueza das coisas no mundo, sem precisar dar ênfase somente em dor ou sangue, mas também sem cair no outro extremo como faz o filme. Assim, o espectador pode esperar um filme de caráter humano e sensível, mas que pelo exagero de suas escolhas ingênuas pode não agradar a maioria.
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