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O MENSAGEIRO

 

DESFILE DE INSTITUIÇÕES FRATURADAS

 

por Antonio de Freitas

 

A primeira cena de O Mensageiro é de um soldado que conduz - através de dicas de pulos - uma prisioneira encapuzada e com uma perna machucada enquanto sobem uma escada. Quando chegam ao fim da mesma, o soldado dá um comando propositalmente errado e a moça cai no chão.  O capuz cai e o rosto irado de uma bela moça de pouco mais que 20 anos aparece. Ela expõe sua raiva diante da maldade exercida pelo soldado que não perdeu uma chance para tornar sua prisão a mais miserável possível.


O jovem soldado parece sentir o golpe, mas não responde. Assim, Lucia Murat (Ana. Sem Título, 2020) apresenta seus personagens principais de um filme que, assim como boa parte de sua obra, é inspirado nos anos de linha dura do governo no final da década de 60 quando pessoas, inclusive ela, eram aprisionadas e torturadas em quase todo o Brasil.


O jovem soldado Armando é interpretado por Shico Menegat (Tinta Bruta, 2018) e a prisioneira Vera é vivida por Valentina Verszage (Raquel 1:1, 2022). Constituem o núcleo dramático da prisão onde o soldado começa a questionar a doutrinação imposta pelo sistema ao ver o sofrimento da prisioneira. Do lado de fora estão os pais de Vera, um casal em crise que faz de tudo para encontrar e libertar sua filha. Floriano Peixoto (Todas as Mulheres do Mundo, 2020) é o pai Henrique, um médico racional disposto a mandar a vida para a frente e aguentar a ditadura. Georgette Fadel (Série Aruanas, 2021) é a mãe Maria, uma dona de casa típica e muito religiosa que acorda do marasmo da vida quando descobre que a filha foi presa e começa a pensar por si mesma. A transformação dela vai levar a um atrito entre os dois.


A proposta de trabalhar com esses núcleos representantes de instituições da sociedade é ainda mais reforçada com os dois padres que representam dois comportamentos opostos da igreja. Um é um padre argentino progressista que não se cala perante o que está acontecendo e o outro é o capelão do forte onde estão instalados os militares que chega a corroborar com a ideologia do regime militar. Ambos são procurados por integrantes dos outros núcleos dramáticos formando uma cadeia de eventos onde os questionamentos e choque de ideias de um influencia no outro.


No conjunto, o filme lida com a fratura de instituições como a família, governo autoritário e igreja que se estremecem em um momento histórico repleto de choques de doutrinas e muita violência. Uma ideia muito forte que poderia até gerar um grande filme ou série porque pode ter inúmeras ramificações e possibilidades de desenvolvimento. Mas esse filme tem momentos confusos e mal escritos que rendem cenas que não levam a lugar nenhum e que poderiam ser tiradas na montagem final.


Há personagem que simplesmente desaparece e momentos em que personagens se despedem dizendo que nunca mais vão se ver para depois aparecerem conversando normalmente como se nada tivesse acontecido.


As atuações do elenco são bem questionáveis, apresentando diálogos duros e até expositivos demais com exceção de Floriano Peixoto e Georgette Fadel, que sempre entregam belas interpretações.

O questionamento e exposição da fragilidade de todas as instituições da nossa sociedade é extremamente importante para um país como o nosso, apesar de ter um desenvolvimento um tanto irregular.

 



 

 

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