BATALHA DE UMA MULHER SÓ
por Antônio de Freitas
Já faz mais de duas décadas que diretores das mais variadas nacionalidades estão avançando sobre os gêneros que sempre foram dominados pelos filmes americanos. A Sindicalista (Jean-Paul Salomé, 2022) é uma dessas incursões e entra em um campo que não é muito explorado fora do dito cinema “hollywoodiano”. Trata-se do que poderia ser chamado de “thriller corporativo”, ostentando a insígnia de “baseado em uma história real”.
A história de uma pessoa que luta sozinha contra uma grande empresa é um subgênero bem característico do cinema americano, que já nos ofereceu excelentes filmes. E perseguindo este nível, o diretor e coautor do roteiro conta com tintas realistas a história da representante sindical Maureen Kearney, interpretada pela sempre excelente Isabelle Rupert (A Sra. Harris vai a Paris, 2022).
Mauren é encontrada amarrada, amordaçada e vítima de um bizarro estupro por uma empregada. Seu caso torna-se um escândalo na mídia, o filme dá um salto de meses para o passado e acompanhamos sua trajetória para descobrir como ela chegou ao ponto de sofrer um ataque deste porte. Sabemos que é a representante dos empregados da imensa empresa Areva, que lida com a energia nuclear da França cuja presidente e aliada dela é substituída por um homem histérico e machista que, no primeiro encontro, demonstra não ir com a cara da nossa protagonista, que anda fuçando em atividades um tanto obscuras da imensa corporação.
Na primeira parte vemos uma mulher lutando contra o machismo e a ganância que envolve não apenas os ocupantes de altos postos da empresa, mas políticos e homens muito poderosos que estão metidos em uma transação que pode prejudicar - e muito - os empregados que ela defende. Na sua trajetória vai encontrar aliados e inimigos entre homens e mulheres que, às vezes, vão apoiar o discurso machista dos antagonistas. As surpresas e reviravoltas são muitas no labirinto corporativo em que ela se mete e a história é contada de forma não linear até chegar ao ponto onde ela é encontrada na situação do início do filme.
Na segunda parte, o antagonismo vai além da empresa e dos executivos. Diante da revelação do passado de Mauren e seu comportamento, a sociedade e a mídia vão duvidar de seu relato e passar a questionar sua sanidade e ética. E assim é a reação de quem está assistindo, pois o diretor habilmente nos conduz a um estado de dúvida e uma hesitação ao escolher uma posição para julgá-la. Mauren vai ter que lutar contra o mundo que a cerca e a desconfiança do espectador.
A trama é muito bem conduzida com Isabelle Hupert que, apesar de estar com quase 70 anos e muito “botoxada”, interpreta a mulher durona com muita garra sempre acompanhada por ótimos coadjuvantes, que dão seus shows de interpretação naturalista em cenas com diálogos econômicos e tiradas inteligentes. Este estilo realista é uma marca do cinema francês e, fiel a ele, o diretor acaba deixando a obra um pouco morna e, por ser um thriller, precisando de umas pitadas dos exageros estilísticos do cinema americano. Talvez um ritmo mais nervoso, cores mais sombrias e até uma trilha sonora mais evocativa. Estes artifícios poderiam ajudar na guerra pelo público, porque são as armas usadas pelo inimigo.
Mas isso não tira o brilho desta autêntica obra francesa, com pitadas de crítica política e ataques diretos à hipocrisia da sociedade, que ainda rejeita mulheres que demonstram força e vontade para lutar contra os interesses escusos que regem nosso mundo e, muito pior, um mundo onde o poder ainda está concentrado nas mãos dos homens. A dupla Jean-Paul & Isabelle Hupert já nos entregou o delicioso A Dona do Barato (Jean-Paulo Salomé, 2020), provando que o cinema francês de gênero está em ótima forma. E este filme não foge à regra.
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