Colossal reunião de família
Cinco anos depois de sua volta pelas mãos competentes de Gareth Edwards, um técnico de efeitos visuais que foi alçado às alturas depois de dirigir o ótimo Monstros (Monsters, 2010), o monstrão gigante volta em uma sequência direta do sucesso de 2014. E sofre da síndrome de continuação de filmes: quer ser maior e mais impactante do que o seu antecessor. Se no outro tinha Godzilla brigando com um casal de monstros, neste ressuscitam boa parte da família de criaturas gigantes da Toho (a produtora japonesa dos filmes originais de Godzilla). E, como em toda reunião de família, o barraco é armado com muita gritaria - nesse caso rugidos ensurdecedores em bocas cheias de dentes - e pancadaria rolando solta.
O filme começa com uma cena na cidade de São Francisco destruída pela batalha final do filme anterior. O casal formado pela Doutora Emma Russel - vivida por Vera Farmiga (Invocação do Mal 1, 2 e 3) - e seu marido Mark Russel - interpretado por Kyle Chandler (O Primeiro Homem, 2018) -, procura por um filho perdido que é dado como morto. Esta cena vai definir o que acontece quando a história salta no tempo e vemos que ela, devido ao trauma da perda do filho, está separada do marido e vivendo com sua filha Madison Russel (Millie Bobby Brown) que despontou com sua ótima atuação como a Eleven da série Stranger Things (Netflix). Ela, uma integrante da organização Monarch, havia criado um aparelho que poderia replicar o modo de comunicação dos monstros - uma conexão direta com a trama do filme anterior onde o personagem vivido por Bryan Cranston (Breaking Bad, 2008) descobriu essa forma de linguagem - e com ele acredita que poderão controlar as tais criaturas. A Organização Monarch encontra-se em uma péssima situação com os governos exigindo que destruam as criaturas que controlam e este aparelho é anunciado como uma solução para manter o equilíbrio da ecologia do planeta da qual fazem parte estes monstros.
O discurso ecológico associado às mitologias antigas já tinha sido lançado no primeiro filme através das falas do ótimo Ken Watanabe (Godzilla, 2014) que reprisa seu papel junto com Sally Hawkings (A Forma da Água, 2017) e David Strathairn (Lincoln, 2012). E cai muito bem associando os monstros às lendas dos Titãs da mitologia greco-romana que foram enclausurados por Zeus após uma batalha.
A doutora Russel, sua filha Madison e seu aparelho são sequestrados por terroristas de uma organização que luta por uma obscura causa ecológica e o barraco está armado. Os monstros são liberados e começam a destruir tudo em seu caminho. Ghidorah, o maior e mais poderoso vilão da Toho, é o chefe da horda de bichões e Godzilla, mais uma vez, é esperado para colocar ordem na confusão. Após a apresentação da situação, o filme entra em uma desenfreada aventura com muita ação correndo ao lado do drama da família Russel e os integrantes da Monarch, um drama humano que não faz muita diferença no geral e se apaga diante da ação interrupta e até excessiva das vritauras.
Logo de cara jogam reviravoltas no roteiro e o diretor Michael Dougherty (Krampus, 2015) sabe como encher a tela com cenas dantescas onde os monstros são introduzidos de forma espetacular. E eles são as grandes atrações do filme apesar de, infelizmente, se tornarem o problema.
Assim como uma produção repleta de astros de primeira grandeza, há pouco espaço neste céu para tantas estrelas. Dividem a tela com Godzilla, os peso pesados: Ghidorah, Rodan, Mothra e uma série de monstros não especificados, talvez por questões de direitos autorais. O embate principal é de Godzilla versus Ghidorah deixando Rodan e Mothra para segundo plano. Os fãs dos personagens talvez fiquem um tanto decepcionados ao ver a amada mariposa gigantesca fazendo papel de coadjuvante apesar de voltar de uma forma linda.
No geral o filme apresenta um belo espetáculo com cenas de imenso impacto visual. Há uma nova representação do design das criaturas que vai agradar geral até com novos poderes que fazem sentido e funcionam na trama que se vale de um excesso de sacrifícios para resolverem situações. O diretor comanda a ação com mão segura e a trilha sonora de Bear McCreary, o autor da trilha da série The Walking Dead, ao utilizar o tema criado pelo compositor Akira Ifukube, presta homenagem ao filme original de 1954.
O tom de tragédia, subtexto ecológico e religioso é mantido por esta produção. Respeito à tradição é quase uma obrigação quando se monta uma reunião de família, mesmo que essa reunião resulte em troca de sopapos numa briga para resolver rusgas antigas. Uma monstruosa confusão que, apesar de poder ser um tanto cansativa para os não aficionados, merece ser vista em uma tela muito, mas muito grande.