PUBLICIDADE RELIGIOSA
por Antônio de Freitas
Estamos vivendo uma época em que a vida real e do cidadão comum alcan
çou a mídia através dos milhões de posts veiculados pela internet. E pegando carona nessa “vibe”, os documentários conseguiram um nicho de espectadores e se tornaram uma forte opção dentro dos meios de comunicação. Depois da Morte (Stephen Gray e Chris Radtke, 2023) chegou surfando na fama do Angel Studios, que fez estardalhaço com o lançamento do filme O Som da Liberdade (Alejandro Monteverde, 2023), que alcançou muita visibilidade com a bandeira de ter sido parcialmente produzido com a ajuda do “crowdfunding” (processo pelo qual os espectadores doam somas em dinheiro por se interessar pela proposta do filme). Daí, ganhou distribuição mundial e a exibição em muitos cinemas com essa aura de produção independente e, portanto, sem ligações com os interesses das grandes corporações de mídia.
Logo no início vemos um piloto que relata o desastre que sofreu quando realizava uma decolagem e a experiência que teve ao se ver fora do corpo e observar de cima os destroços do avião e, entre eles, o seu corpo inerte para depois voltar a ele quando é ressuscitado pelos paramédicos. O depoimento do homem e as recriações das cenas que narra são feitas com esmero. A fotografia é requintada assim como as recriações dos eventos narrados. Bela fotografia, efeitos de som e imagem de alto nível com quase mesmerizantes e psicodélicas imagens geradas por computador representando momentos de êxtase ou a tal luz que se vê quando estamos indo para o “beleléu”.
O que vem depois é uma série de relatos de pessoas que sofreram acidentes ou com doenças terminais que se viram sendo levadas para uma luz, recebidas por parentes já falecidos ou mesmo falando com Jesus que diz que não é a hora da pessoa partir e a manda de volta para seu corpo. Tudo isso sendo corroborado por depoimentos de médicos, especialistas e até aqueles que socorreram ou presenciaram a agonia da vítima do evento. Tudo feito com altos valores de produção com imagens muito bem trabalhadas e embaladas por uma trilha sonora de peso. Uma mistura que dá muita credibilidade ao documentário e a capacidade de emocionar e convencer certos espectadores.
Mas é apenas uma compilação de tudo que já foi mostrado ou dito em centenas de produções menores como aquelas séries de TV ou Streaming onde temos relatos de eventos paranormais apresentados por alguma estrela do cinema. Não há um questionamento, discussão ou mesmo um olhar diferente de pessoas ou especialistas de uma outra religião. O que vemos ali é apenas a visão Cristã que todo mundo do meio já ouviu falar. Pesa apenas pelo tamanho, número de casos e acabamento refinado de um conceito que todo mundo conhece. É apenas uma embalagem sofisticada para um produto vazio que não tem nada para acrescentar a esse campo. Uma verdadeira peça de publicidade religiosa que quer vender como verdade absoluta um conceito baseado apenas na visão de uma só cultura.
CRÔNICA DE UMA TRAGÉDIA MAIS QUE ANUNCIADA
por Antônio de Freitas
Muito já foi falado, filmado, gravado e fotografado sobre a situação terrível das fronteiras dos Estados Unidos com o México e as pessoas que tentam atravessar ou atravessaram e tentam levar uma vida normal no país que escolheram para morar. Mas precisa muito haver obras como esse documentário, onde se apresenta um extenso panorama sobre essas pessoas.
Trata-se de uma obra feita com um real interesse sobre o assunto e que mostra um detalhe que ninguém jamais pensou em relacionar com a fronteira entre os dois países. A fronteira se estende para dentro do país, mesmo após conseguir emigrar e se estabelecer nos EUA, o emigrante se vê circundado por outro muro feito de preconceitos das pessoas comuns e uma eterna desconfiança e vigilância por parte das autoridades.
Pamela Yates, uma produtora/diretora que produziu um filme classe A como Ferrari (Michael Mann, 2023) se dedica a produzir e dirigir documentários sobre as mazelas da América Latina - que já ganharam muitos prêmios pelo mundo -, se engaja ao ponto de participar do documentário em cenas falando através de chamadas de vídeo com alguns dos personagens apresentados. Não só entrevistando como orientando e participando da aventura de alguns. Podemos ver que está firmemente engajada com movimentos de direitos humanos que visam ajudar milhares de pessoas que estão do lado de lá da fronteira, assim como aqueles que atravessaram e continuam lutando para conseguir a vida digna que tanto almejaram.
Somos apresentados a diversas pessoas reais que conseguiram captar e documentar seu sofrimento com as autoridades dos Estados Unidos, como de uma moça cujo marido foi deportado e, assim, precisa criar sozinha os filhos, e de dois irmãos Guatemaltecos que precisam fugir de seus países por serem perseguidos por máfias ligadas às multinacionais que exploram as jazidas de petróleo da região. Em paralelo, são apresentados os esforços de instituições mexicanas e norte-americanas para ajudar os emigrantes que enfrentam uma rotina diária de luta.
As vezes se armando com as técnicas do Melodrama, a diretora nos apresenta cenas emocionantes, como a de uma senhora que participa de uma equipe mexicana de resgate de pessoas que tentaram atravessar o deserto e topa com um esqueleto. Ao constatar ser de um homem, ela diz que tem a impressão de ser o seu irmão desaparecido quando tentava emigrar para os EUA e que vai tentar identificá-lo e fazer um enterro digno. Outra bela e tocante cena é de uma menina cujo pai foi deportado e o vê do outro lado da fronteira durante um protesto de uma instituição que cuida dos direitos humanos dos imigrantes.
Outras cenas que chegam a ser angustiantes são as da odisseia dos irmãos Guatemaltecos para conseguirem asilo político que, após registrarem com o celular sua viagem do país natal até a fronteira, registram cada passo no longo processo que são submetidos para serem aceitos.
É uma obra realmente sincera e repleta de boas intenções, que nos apresenta uma colagem de imagens e sons captados com as mais diversas técnicas, que formam um verdadeiro painel de um sofrimento que parece não ter fim.
Atualizado: 13 de abr. de 2024
PRINCIPAL FESTIVAL DE DOCUMENTÁRIOS DO PAÍS TEM SUA NOVA EDIÇÃO
por Ricardo Corsetti
No dia 20 de Março foi realizada, aqui em São Paulo, a Coletiva de Imprensa para apresentação da programação e eventos relacionados à 29ª Edição do Festival É Tudo Verdade.
Mediada pelo mentor e principal organizador do já clássico festival, Amir Labaki, a coletiva contou com a presença de convidados ilustres e, sobretudo, ligados ao setor cultural de nosso município.
Durante cerca de 40 minutos, o bate-papo sediado pela Fundação Itaú Cultural nos apresentou boa parte da programação do festival, que ocorre entre os 03 e 14/4, em espaços selecionados da capital paulista e carioca.
Com destaque para a retrospectiva/homenagem ao grande fotógrafo e documentarista Thomaz Farkas (1924 - 2011) e também para o inédito documentário nipo-britânico O Competidor (2023), dirigido por Clair Titley, que conta a inacreditável (embora real) história de um homem que, no Japão, viveu 15 meses, trancado num quarto, nu e faminto, sem saber que estava sendo diariamente filmado e que seu trágico dia a dia era exibido para milhares de expectadores num reality show da TV japonesa.
Após a coletiva, foi exibido o também inédito documentário O Cinema Por Dentro (2023), conduzido em grande parte, pelo renomado montador norte-americano Walter Murch (Apocalypse Now, 1979). Ótimo filme que aborda basicamente, de que forma foi construído o "olhar do espectador" de cinema ao longo da história da Sétima Arte.
De 03 a 14/04, na edição paulista do Festival (que também ocorre simultaneamente no Rio de Janeiro), serão exibidos estes e vários outros filmes documentais. Sempre gratuitamente.
Para maiores informações, basta acessar o site oficial do Festival: www.etudoverdade.com/2024