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RESGATANDO A TRADIÇÃO DO SLASHER


por Ricardo Corsetti

Qualquer fã assumido do subgênero slasher - caracterizado por mortes sangrentas e temática quase sempre juvenil - com certeza irá ver este novo episódio da franquia "Halloween", iniciada em 1978 a partir do filme homônimo dirigido por John Carpenter, com enorme expectativa. Até porque, na prática, eis a única sequência do filme original, verdadeiramente reconhecida por seu autêntico criador, o já citado e icônico John Carpenter (Vampiros, 1991).


E dentro do esperado, o resultado aqui até que é bem satisfatório. Roteiro ok - com um bom prólogo de apresentação do personagem central, Michael Myers, para quem não viu o filme original de 1978 -, sangria em doses generosas e pitadas de humor na medida certa.


Aliás, o que mais gostei em Halloween Kills foi, justamente, ver que o jovem diretor/corroteirista David Gordon Green (Segurando As Pontas, 2009) não teve medo de, digamos assim, "sujar as mãos" nas muitas cenas de violência que permeiam a trama. Digo isso, pois, em tempos de "cultura da lacração", meu receio era ir ao cinema e ver mais um filme insípido, asséptico e assexuado, como tantos outros que tem sido realizados nos últimos anos. Falando nisso, faltou apenas uma pitadinha de sexo que, aliás, sempre caracterizou os velhos clássicos do slasher, constituindo inclusive uma das "regras" do subgênero, onde normalmente as mortes ocorriam após divertidas cenas de sexo adolescente. Mas, enfim, para os neo-moralistas dos dias atuais, já está bom demais o consolo oferecido pelos momentos "sanguinariamente divertidos" do filme.



Outra coisa que sempre me fascinou nos clássicos do gênero é o fato de que os assassinos que os protagonizaram normalmente não serem propriamente psicopatas, mas sim outsiders. Ou seja, garotos que sofreram bullying na infância, não faziam parte do seleto grupo dos populares da turma no colégio, etc; e justamente por isso, ao crescerem resolviam, digamos assim, cobrar a dívida que a sociedade tinha em relação a eles. No caso específico de Halloween Kills não sei até que ponto esse traço específico da personalidade de Michael Myers (o assassino) fica claro na forma como ele nos é apresentado. Até porque, em determinados momentos, se tenta imprimir um caráter quase sobrenatural ao personagem, embora não seja plenamente desenvolvido.

Destaque para o ótima trilha sonora composta pelo lendário John Carpenter (que também assina a produção executiva) que é, inclusive, a mesma utilizada no célebre filme setentista.

A presença da igualmente icônica Jamie Lee Curtis (Um Peixe Chamado Wanda, 1988) revivendo aquela que é, provavelmente, a mais lendária personagem de sua carreira: Laurie Strode (a protagonista do filme de 1978). Obviamente também merece destaque, embora, na minha opinião, ela pudesse ter sido bem melhor aqui aproveitada em vez de ser relegada a um personagem secundário na trama do novo filme.


Atualizado: 3 de out. de 2021



CONSERVADORISMO CONSISTENTE E CONTUNDENTE

por Ricardo Corsetti

Mesmo quem, assim como eu, normalmente não simpatiza com os grupos conservadores que, tanto no Brasil quanto ao redor do mundo, condenam veementemente a prática (legal ou ilegal) do aborto, dificilmente conseguiria não colocar em dúvida suas convicções, ao ver este interessante e já candidato a polêmico filme O Direito de Viver.

Embora abuse do tom melodramático em alguns momentos, o filme escrito e dirigido pela estreante Cathy Allyn e Nick Loeb (Carga Preciosa, 2016) se apoia em argumentos contundentes para sustentar sua posição claramente anti-aborto.

Para início de conversa, o longa nos apresenta o fato real e pouco conhecido de que uma das pioneiras na defesa da prática do aborto nos EUA era uma mulher de origem social privilegiada que se associou à Ku Klux Klan (organização assumidamente racista) para realizar abortos em larga escala em mulheres negras visando "conter a expansão descontrolada de bebês negros na América". Detalhe: a primeira associação pró aborto por demanda (sem ser motivado por estupro ou risco de morte à mãe) foi criada em homenagem justamente a essa mulher.


Após este prólogo de apresentação da trama, O Direito de Viver se concentrará no embate entre o Doutor Aborto (Bernard Nathanson) e a Doutora pró-vida Mildred Jefferson, a partir do final dos anos 60, que se estende por pelo menos duas décadas.


A partir daí, o filme procura apresentar um perfil puramente oportunista por parte do Doutor Aborto ao se associar a grupos feministas e progressistas, em favor da prática e legalização do aborto por demanda, em todo o território norte-americano.


A narrativa é eficiente ao apresentar seu ponto de vista contrário ao aborto, ao questionar a partir de que momento o feto representa de fato uma vida humana já formada e não "apenas um bolo disforme de sangue e tecido", conforme chega a classificar o feto, o Doutor Bernard Nathanson.

Além disso, vemos o progressivo arrependimento e drama de consciência vivido pelo já então rico e famoso médico, ao constatar que suas hipóteses acerca da "ausência de vida" nos milhares de fetos humanos que ele eliminou, estavam erradas. Fato que se deveu, segundo o doutor Nathanson, à inexistência do ultrassom na época em que ele começou a realizar abortos em grande escala, o que "não lhe permitiu ver o tamanho do erro que estava cometendo", conforme as palavras do próprio.


O principal ponto baixo do filme, porém, é a escolha de um de seus próprios diretores, ou seja, Nick Loeb, como protagonista. Pois ele sinceramente não tem carisma (ou mesmo talento dramático) suficiente para dar conta de um personagem (real) tão denso e historicamente importante.


Felizmente, para compensar tal erro, O Direito de Viver conta com um elenco coadjuvante de primeiríssima, com destaque para a bela e talentosa Stacey Dash (Nunca É Tarde Para Amar, 2007) como a célebre doutora Mildred Jefferson e também para a dupla de juízes vividos por John Voight (Perdidos na Noite, 1969) e William Forsythe (Fúria Mortal, 1991), além do ex-galã oitentista Steve Guttenberg (Loucademia de Polícia, 1984) como um importante político. Obs: o ótimo trabalho de reconstituição de época da direção de arte também é digno de nota.


A cena, já próxima ao desfecho do filme, em que o próprio Doutor Aborto vê na tela do ultrassom um feto, já visivelmente com aparência humana constituída, sendo literalmente despedaçado e arrancado do ventre materno é mesmo contundente, a ponto de me fazer questionar minha postura em relação ao aborto.

Filme realmente necessário e pertinente à eterna discussão sobre o tema.






JAMES BOND NO REINO DA LACRAÇÃO


por Ricardo Corsetti

Realmente, a despedida de Daniel Craig (Entre Facas e Segredos, 2019) do papel do mais famoso espião da história do cinema, merecia um filme melhor. Não que Sem Tempo Para Morrer seja necessariamente ruim. Conforme já era de se esperar, é recheado de cenas de ação de tirar o fôlego. Pena que não muito mais do que isso.

Em termos de roteiro, aliás, embora a trama seja relativamente fluente e clara, algumas escolhas na composição do personagem central são bastante equivocadas, pois houve uma preocupação exagerada e artificial no sentido de readaptar o clássico personagem à correção política que rege o mundo (ou, ao menos, o discurso) contemporâneo. Para tanto, se promoveu uma verdadeira "assexualização" de Bond. Pois, nos dias atuais, parece que sexo virou crime. Por isso mesmo, ao longo de 2 horas e 43 minutos de filme, praticamente não há contato físico entre o agente e as demais personagens da trama, nem mesmo com sua namorada, vivida por Léa Seydoux (Azul é a Cor Mais Quente, 2013). Ou seja, adeus bond girls na forma como conhecíamos até aqui.

Não, eu não estou dizendo que Bond deveria ser apresentado como um anti-herói cafajeste de filme noir. Não, não é isso. Entendo a necessidade de readaptar o personagem ao mundo contemporâneo, apenas acho que não era preciso pesar tanto a mão na construção deste "homem desconstruído", na linha "me perdoe por ser homem", pois tudo soa muito artificial devido a tal exagero politicamente correto.


Quanto aos demais personagens da trama, Rami Malek (Bohemian Rhapsody, 2018) não mostrou a que veio e, portanto, não me convenceu como vilão, apresentando uma atuação morna e caricata, talvez por acreditar que sua aparência física, digamos assim, exótica, iria por si só resolver tudo. Ledo engano.


A bela atriz cubana Ana de Armas (Bata Antes de Entrar, 2015) é puro carisma. Pena que apareça tão pouco tempo em cena. Poderia ter sido bem melhor aproveitada e render uma bond girl de primeiríssima, mas, pelas razões expostas, tudo ficou apenas na promessa.

Apesar da já citada boa cadência narrativa, há alguns furos evidentes e também algumas situações muito previsíveis e, ao mesmo tempo, pouco verossímeis no desenrolar da trama. Embora eu confesse não simpatizar lá muito com Daniel Craig como ator, reconheço que ele está atuando bem, pena que seja tão prejudicado pela necessidade de "lacrar" dos produtores, nos entregando um James Bond assexuado, insípido e asséptico naquela que é, aliás, a possível despedida definitiva do velho personagem (fato que está subentendido no filme). Mas, ainda que Bond, enquanto arquétipo de diversas gerações, não desapareça por completo e sobreviva à saída de Mr. Craig da franquia, uma coisa é fato incontestável: o astro britânico realmente merecia um desfecho melhor.

Méritos técnicos à parte, 007 - Sem Tempo Para Morrer, em termos gerais, decepciona e muito.




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