Atualizado: 1 de jul. de 2023

SINGELEZA SEM NOVIDADES
por Ricardo Corsetti
Filmes de animação que abordam a destruição do meio-ambiente já não são propriamente uma novidade em qualquer lugar do mundo. Da megaprodução norte-americana Pocahontas (Mike Gabriel e Eric Goldberg, 1995) ao ótimo filme de animação brasileiro Uma História de Amor e Fúria (Luiz Bolognesi e Jean de Moura, 2013), o tema em questão já foi abordado em larga escala.

O recente Ainbo: A Guerreira da Amazônia se insere com competência neste segmento, mas sem apresentar grandes novidades narrativas ou mesmo técnicas ao tema.
A pequena Ainbo, pertencente à aldeia de Candamo, situada no interior da grande floresta amazônica, em companhia de "Dillo" (seu amigo Tatu) e da enorme anta conhecida como "Vaca". Irá tentar fazer de tudo para combater gananciosos garimpeiros que desejam explorar, de forma irresponsável, o ouro situado no território de seu povo. Auxiliada pelo "espírito materno da Amazônia", no caso uma tartaruga chamada "Motelo Mama", a garota e seus amigos se empenhará nessa perigosa missão.

O diretor Richard Claus (Meu Amigo Vampiro, 2018) mostra competência na condução da singela trama, mas sem necessariamente acrescentar qualquer novidade a tudo aquilo que já vimos, por exemplo (e de forma mais competente, diga-se de passagem) nos filmes de animação citados no primeiro parágrafo.
"Ainbo" cumpre bem sua função enquanto entretenimento informativo graças à inegável relevância do tema abordado, num momento em que preservação ambiental associada à responsabilidade social na forma como exploramos os recursos naturais ao redor do mundo é palavra de ordem, bem como a garantia de nossa sobrevivência a longo prazo. Apenas creio que o filme poderia ter se empenhado um pouco mais em buscar um autêntico diferencial em relação a tantos outros títulos (seja no campo da animação, seja no campo da produção convencional com elenco orgânico) que já vimos nos últimos anos.

RECICLANDO UM PROJETO AMALDIÇOADO
por Ricardo Corsetti
Em primeiro lugar, ao ver o recente remake (se é que podemos mesmo assim considerá-lo) do clássico Duna (David Lynch, 1984) pelas mãos de Denis Villeneuve (Blade Runner 2049, 2017), impossível não pensar no que poderia ter sido o projeto original idealizado pelo artista multimídia Alejandro Jodorowsky (A Montanha Sagrada, 1973), abortado pelos produtores naquela época (por volta 1982/83), jamais realizado, portanto, da forma como Jodorowsky o imaginou e que, no fim das contas, em 1984, acabou virando um filme meia-boca nas mãos de Lynch (Cidade dos Sonhos, 2001).

É difícil, aliás, comparar a versão repaginada de Villeneuve (diretor e co-roteirista) com a de Lynch, pois, desde a época dourada das locadoras de vídeo aqui no Brasil, eu nunca mais tive a oportunidade de rever a tal versão "lyncheana", o que me impede, portanto, de poder fazer uma comparação entre as duas versões de forma mais aprofundada. Me arrisco a dizer, porém, que provavelmente o que a nova versão deve ter perdido em termos de um maior aprofundamento temático, ganhou em termos de fluência narrativa, graças ao inegável talento como diretor do franco-canadense Villeneuve.

E olha que eu, sinceramente, nunca fui lá muito fã do estilo pseudo-autoral e cheio de "perfumarias" (preciosidades desnecessárias) do diretor. Não gosto, por exemplo, do que ele fez há poucos anos com outro clássico absoluto, em Blade Runner 2049, mas aqui seu estilo parece estar um pouco mais amadurecido e "enxuto", o que lhe permitiu realizar um trabalho em que, se por um lado transformou este clássico da literatura internacional num filme de entretenimento e candidato a blockbuster, por outro lado nos oferece um autêntico espetáculo em termos visuais, com planos belíssimos, espetacular fotografia e um ritmo narrativo competente a ponto de não cansar o espectador, apesar da extensa duração do filme: 2 horas e 35 minutos.

A bela atriz sueca Rebecca Ferguson (Caminhos da Memória, 2021) é puro charme a cada segundo em que aparece em cena como a mãe do protagonista. E o jovem Thimothée Chalamet - eternamente lembrado por Me Chame Pelo Seu Nome (Luca Guadagnino, 2017) - até que não decepciona como protagonista.
Em suma, um autêntico primor em termos técnicos, por mais longe que possa estar daquilo que um dia foi imaginado pelo chileno mais francês deste mundo Alejandro Jodorowsky, o Duna de Villeneuve, com certeza, irá agradar quem espera ver uma mega produção com toques autorais. E, detalhe: vem continuação da saga logo mais...
Atualizado: 18 de out. de 2021

OS MISERÁVEIS NA PARIS DO SÉCULO XXI
por Alvair Silveira Torres Junior
Na Paris de Victor Hugo, cenário da monumental obra literária Os Miseráveis (Victor Hugo, 1862), este magistral romance conta-nos a história dos desvalidos e traz à luz os pobres como protagonistas. Era o século XIX. Agora, Sob as Escadas de Paris, o diretor estreante Claus Dexel - de forma bem mais modesta na profundidade e na complexidade do tema, mas não menos humana - revela os pobres deste século ocupando as partes ocultas de uma Paris em becos, porões, túneis. Enfim, com sua câmera mergulhando nas partes baixas daquela cidade e revelando sem tetos e imigrantes ocupando os espaços mais improváveis e escuros para se viver na cidade “das Luzes”.

A história é simples e linear em que uma senhora sem-teto (sabe-se depois uma ex-cientista com algum trauma do seu passado) passa a ajudar um menino africano perdido de sua mãe, a reencontrá-la antes que ela seja deportada pelas autoridades francesas.
A história se reveste de um espírito de fábula urbana através da sucessão de cenas dos personagens perambulando pela cidade, encontrando-se com outros desvalidos, pobres, gangues, migrantes e, ocasionalmente, tendo que lidar com a rudeza e indiferença de autoridades e cidadãos.
O diretor escolheu um encontro improvável da senhora sem-teto com o menino perdido, mais a ingenuidade da solução de procurar a mãe em meio ao complexo da cidade, para denunciar as graves questões da imigração e da gestão da pobreza em Paris. Não se busca verossimilhança nas cenas, mas despertar o pathos do espectador para a situação de exclusão social, em meio à poesia e leveza pungente da história.
Entretanto, apesar do valor da proposta da obra, o espectador poderá perceber um excesso de ingenuidades da história, com exageros que fazem o diretor perder a mão em algumas cenas, ao parecer que se quer arrancar lágrimas a qualquer custo. Muitos encontros no percurso da história são excessivamente improváveis e algumas situações querem passar um certo humor, mas também nisso se perde o equilíbrio.

Em suma, o filme tem problemas no alcance do seu propósito ao se recusar em trazer à tona uma denúncia mais objetiva do problema com alguma dose de indignação dos personagens. Isso caberia muito bem sem quebrar a poesia e leveza propostas, porque todos sentimentos humanos ocorrem misturados até nas almas mais puras, e de todos eles também precisamos para revelar a crueza das coisas no mundo, sem precisar dar ênfase somente em dor ou sangue, mas também sem cair no outro extremo como faz o filme. Assim, o espectador pode esperar um filme de caráter humano e sensível, mas que pelo exagero de suas escolhas ingênuas pode não agradar a maioria.