
BELÍSSIMA EMBALAGEM PARA CONTEÚDO APENAS RAZOÁVEL
por Ricardo Corsetti
Típico filme ao qual você assiste e não sabe dizer, de imediato, se gostou ou não. Eis o caso de Noite Passada em Soho, filme deslumbrante, ao menos no que se refere à caprichadíssima concepção estética em termos de fotografia e direção de arte, mas confuso e ao mesmo tempo contraditoriamente previsível em termos de trama.

O que se inicia com um aparentemente singelo drama contemporâneo com referências sessentista e flerte com o gênero musical, inesperadamente acaba evoluindo para um quase terror. Até aí, nenhum problema, pois eu particularmente amo o gênero terror. No entanto, tal transição entre gêneros, aqui não me parece natural. E é realizada de forma confusa e até um tanto atrapalhada, deixando o espectador confuso a respeito de qual seria, afinal de contas, a real história aqui a ser contada.
A jovem protagonista Ellie, vivida pela graciosa Thomasin McKenzie (Tempo, 2021), bem como sua antagonista/alter-ego Sandy, vivida pela igualmente graciosa e talentosa Ana Taylor-Joy (Emma, 2020), são personagens carismáticas, porém bastante perdidas em meio a uma trama rocambolesca onde, a certa altura, já não se sabe mais qual é a real função da protagonista nessa história que atira pra todos os lados, fazendo uma autêntica miscelânea de gêneros cinematográficos e, sinceramente, sem acertar quase nenhum alvo específico.
O jovem diretor/roteirista britânico Edgar Wright (Regresso, 2018) mostra-se inábil para conduzir e mesclar, na medida certa, todos os elementos dos diversos gêneros (drama, musical, terror) com os quais pretende trabalhar aqui.

No fim das contas, o que realmente se destaca em Noite Passada em Soho, são os belíssimos figurinos e cenografia de época, inseridos numa trama cuja base são os tempos atuais e a igualmente inspirada fotografia. Ou seja, temos aqui uma lindíssima embalagem que aparentemente visa "disfarçar" as deficiências do filme em termos de desenvolvimento de roteiro.
Destaque também para a ótima trilha sonora que vai desde o clássico absoluto Downtown (1965), da cantora britânica Petula Clark, até o pop gótico Happy House (1980) da banda, também britânica, Siouxsie and the Banshees.

TERROR SEM MEDO
por Vicente Vianna
Longa-metragem de estréia do diretor, roteirista e produtor italiano Roberto De Feo eleito pelo Syndicate Film Journalists o Melhor Diretor Emergente. Escrito junto com os roteiristas vencedores do prêmio Solina-Histórias para Cinema, Lucio Besana e Margherita Ferri.

Feo se diz inspirado por filmes como o drama sobrenatural Os Outros (Alejandro Amenábar, 2001) e o drama suspense A Vila (M. Night Shyamalan, 2004). O ritmo lento, ambientes escuros, sensação de tempo e lugar indefinidos também são características em O Ninho, porém a fixação da mãe em proteger o filho do mundo e negar a ele o conhecimento da realidade do que se passa fora dos limites da Villa Dei Laghi foi inspirado, ainda segundo o diretor, por O Show de Truman (Peter Weir, 1998). Observo influências dos filmes O Enigma de Kaspar Hauser (Werner Herzog, 1974) - na questão do adolescente vítima de isolamento social - e muitas influências de Stanley Kubrik (1928 - 1999), ora em O Iluminado (1980), com planos simétricos com a ação ocorrendo no centro da tela, ora com Laranja Mecânica (1971), nas cenas de violência com o personagem psicopata, usando a lente grande angular "olho de peixe" e a música erudita de fundo, bem semelhante ao gosto do personagem Alex.
De Feo conta com bons atores, com destaque para Francesca Cavallin, que está excelente na pele da mãe obstinada, os adolescentes Ginevra Francesconi e Justin Korovkin, também desempenham muito bem seus personagens, assim como o veterano Maurizio Lombardi (seriado The New Pope). Os outros atores não chegam a comprometer a condução da trama.

Um ponto fraco do filme, que me aproximou estar numa representação, foi a falta de cuidado com um detalhe: o lenço totalmente seco - usado duas vezes na história para desmaiar sua vítima - ficou um pouco falso, já que não se mostrou sendo embebido em algum éter. Não que isso fosse necessário, mas a falta de estar molhado, sim. Em certas cenas, o diretor acerta em não mostrar a ação que se chegou a conclusão, valorizando a inteligência de quem assiste e economizando em planos na produção.

A trama prende a atenção por tentarmos entender junto ao protagonista Samuel - que é paraplégico, obstáculo na trama e fator preponderante para nos solidarizarmos com ele -, a medida que vamos descobrindo a loucura da superproteção da mãe que não mede esforços para criar um mundo numa “pseudo-felicidade” acima até dos valores éticos. Torcemos para que ele se liberte daquele mundo insano onde tem a presença, nas entrelinhas, do sobrenatural. Acompanhamos a mudança do arco do personagem através da chegada da também adolescente Denise, que desperta o amor e mostra que fora dali também tem coisas boas, como ela, outras músicas, o rock - pois só ouvia e estudava música erudita -, todo um oposto da violência dita pela sua mãe, para aprisioná-lo pelo medo.
O diretor diz que quis contar uma história diferente dos tradicionais filmes de terror/suspense ao criar o mesmo clima, porém com o foco no relacionamento humano, com o intuito de surpreender o espectador, tirando-o de um lugar para o outro e assim fugir do óbvio. Só que o diretor acaba utilizando todos os clichês do gênero: tem o susto, a tensão, o ritual satânico e um final aberto clássico dos filmes de Zumbi. Embora coerente com a história, ele passa para você a incumbência de imaginar o que pode acontecer dali pra frente. Para o bem ou para o mal. O Ninho um drama/sobrenatural que não dá medo, e, mesmo para quem gosta deste sentimento, é um bom entretenimento.
Atualizado: 1 de jul. de 2023

SUPERANDO O PRECONCEITO AO "DIFERENTE"
por Ricardo Corsetti
Em tempos de politicamente correto ditando as regras na produção audiovisual contemporânea, nada mais lógico do que um filme destinado ao público adolescente abordar a questão do bullying (agressão física ou verbal sistemática em relação aos indivíduos tidos como "diferentes" no meio social em que vivem).

Nesse sentido, o drama musical Querido Evan Hansen acerta ao demonstrar como, muitas vezes, justamente aqueles que adoram falar em respeito e tolerância às diferenças, inclusão social, etc; acabam cometendo as mesmas injustiças às quais, ao menos em seu discurso cotidiano, condenam veementemente.
O diretor norte-americano Stephen Chbosky (As Vantagens de Ser Invisível, 2012) demonstra familiaridade com o tema, pois vem abordando-o desde a época de seu já clássico filme adolescente citado.
Neste seu mais recente trabalho, porém, embora demonstre talento e competência narrativa, o diretor acaba pesando um pouco a mão na, digamos assim, dose de açúcar (dramaticidade) excessiva de algumas cenas. Mas, até aí, é compreensível o fato de que estamos falando de um filme produzido por um mega-estúdio (Universal Pictures) que obviamente necessita fazer determinadas concessões para ser de fato "acessível a todo tipo de público".

O jovem Ben Platt (A Química do Amor, 2020) acerta no tom ao viver o extremamente tímido personagem título, encarnando com perfeição a figura do típico adolescente em crise de identidade e buscando seu espaço no ultra-competitivo microcosmo característico do universo jovem, talvez em qualquer lugar do mundo.

A sempre ótima Julianne Moore (A Mão que Balança o Berço, 1993) por outro lado, poderia ter sido bem melhor aproveitada, pois aparece pouco no filme, como a sempre ocupada mãe do solitário protagonista.
Amy Adams (A Mulher na Janela, 2021) por sua vez, distante do estereótipo da bela atriz adolescente de outros tempos, surpreende ao viver a mãe possessiva e deprimida do "amigo" de Evan Hansen, a partir do qual toda a base da trama irá se desenvolver mais adiante.
Entre erros e acertos Querido Evan Hansen cumpre bem sua função enquanto entretenimento informativo, acerca de questões seríssimas relacionadas à sempre dificílima transição da adolescência para o mundo ainda mais imperfeito e complexo dos adultos.