Atualizado: 29 de dez. de 2021

A FESTA NATALINA, A CRIANÇA E A MORTE.
por Vicente Vianna
Primeiro longa-metragem da diretora Camille Griffin, que também escreveu o roteiro e conta com o seu filho, o ator Roman Griffin Davis (Jojo Rabbit, 2019) em um papel chave na trama. Ou seja,não tem desculpa se A Última Noite não ficou do jeito que ela queria.

Depois de fazer vários curtas, a diretora francesa - casada com o diretor de fotografia inglês Ben Davis (Eternos/Marvel–2021) - opta pelo suspense com um toque de humor ácido (típico da comédia inglesa) em um tema tabu que não cabe ser mencionado aqui.
Também se cercou de bom atores, como Keira Knightley (Piratas do Caribe – A Maldição do Pérola Negra, 2003), Mathew Goode (Match Point – Ponto Final, 2005) e o resto do elenco não compromete, inclusive os atores mirins - 4 crianças - estão muito bem.
A história conta a reunião de amigos e familiares para passar a ceia de Natal na mansão do casal protagonista: Nell (Keira Knightley) e Simon (Mathew Goode) com 3 filhos, sendo dois gêmeos de aproximadamente 8 anos - que são um alívio cômico -, as birras com a prima, os ciúmes com os pais, o falar palavrão e o irmão mais velho - de aproximadamente 9 anos -, questionador e rebelde.

Começa com as pessoas se arrumando para comemorar o Natal. As que vão sair pegam o carro e logo notamos que estamos no interior da Inglaterra, pelo volante do lado direito e a linda paisagem. Como em Festa de Família - filme sueco/dinamarquês de 1998 de Thomas Vinterberg (Druk – Mais uma rodada, 2020) as “tretas” dos amigos e parentes vão nos sendo apresentadas no caminho e na chegada para a festa. Nos 15 primeiros minutos de filme ouvimos muitas músicas alegres e de festividade natalina, como a clássica Feliz Navidad (José Feliciano, 1970), como um clipe de romance americano. Este recurso cansa, mas é um artifício da diretora para criar um clima agradável antes de entrar no verdadeiro tema do filme, que é o oposto, lá pelos 32 minutos, o que deixa, propositalmente, o espectador tenso e confuso.

A ideia é o contraste da alegria com a tensão. O tema pesado, contudo, travestido de ironia que confunde e faz refletir. As rixas dos convidados, os presentes, os casos extra conjugais. Enfim, tudo fica em segundo plano para vir à tona a decisão tomada. Os ricos, que são os personagens do filme, tem direito a regalias que os mais pobres não tem, mesmo nas piores situações. Ficamos presos à trama macabra para ver se todos os personagens vão cumprir o combinado ou não.
O filme leva a reflexões sobre a vida e morte, questionamentos sobre a veracidade das informações oficiais e os direitos básicos dos mais pobres. Se os ingleses são ingênuos de acreditar em tudo que ouve, aqui no Brasil temos excesso de malícia para duvidar de tudo, ainda mais com esses políticos corruptos, não importa o partido, que crescemos vendo suas caras de pau e mentiras, uma eleição após à outra.
A Última Noite cumpre o seu papel, nos entretêm e nos faz achar tudo um absurdo só. Como na cena da Coca-Cola (que não vou me estender para evitar spoiler). O filme é como a clássica frase de Papai Noel que antes dele falar já sabemos o que vai dizer, mas queremos ouvir mesmo assim: “Ho,Ho,Ho Feliz Natal!”

QUEM FOI QUE DISSE QUE OS ALEMÃES NÃO TEM SENSO DE HUMOR?
por Ricardo Corsetti
Filmes que retratam um futuro não muito distante, onde as relações humanas se tornariam superficiais e intermediadas por androides ou ciborgues, não são novidade na história do cinema internacional, sobretudo no gênero ficção científica. Mas na divertida produção alemã O Homem Ideal temos, na verdade, uma inusitada comédia romântica que flerta (ou brinca) com a ficção científica.

Filme inusitado, sim, pois graças à visão de sisudos e quase insensíveis que fomos habituados a ter em relação aos alemães (sobretudo via filmes norte-americanos que se propõe a retratar a Alemanha), dificilmente imaginaríamos uma comédia romântica, sendo realizada com tamanho êxito e singeleza, justamente pelo cinema alemão contemporâneo.
Boa parte do êxito de O Homem Ideal, verdade seja dita, se deve ao talento e carisma da dupla de protagonistas - Alma (Maren Eggert) e Tom (Dan Stevens) - que, graças a uma química perfeita em cena, seguram com maestria a criativa trama envolvendo um improvável casal formado por uma cientista extremamente cética em relação ao amor e um namorado de aluguel robô (Tom), com o qual ela acaba, mesmo que a contragosto, se envolvendo ao participar de um "experimento", por necessidade financeira.
A divertida trama coescrita pela própria diretora Maria Schrader (estreante em longa-metragens) flui bem e poucas vezes recorre aos clichês típicos do subgênero Comédia Romântica de produções norte-americanas, por exemplo.

O ótimo ator britânico Dan Stevens (O Chamado da Floresta, 2020), que, surpreendentemente, parece falar um alemão impecável, é puro carisma na pele do, digamos assim, extremamente humano namorado-robô Tom. Em contrapartida, a também ótima atriz alemã Maren Eggert (Os Invisíveis, 2018), funciona como contraponto perfeito à visão de mundo simples e otimista de seu improvável namorado mecânico (que parece ser o verdadeiro humano da relação), transbordando ceticismo em relação a tudo (e sobretudo em relação ao amor), postura essa que será aos poucos transformada pelo sempre gentil e prestativo Tom.
Grata surpresa em tempos de filmes que se levam a sério demais. Até mesmo no segmento mais comercial do cinema internacional, O Homem Ideal nos diverti e informa, com muito bom humor, o quanto a vida pode ser bem menos complicada, basta querermos.

MAIS DO MESMO COM COM ALGUM TALENTO
por Ricardo Corsetti
Confesso nunca ter sido um grande fã da famigerada franquia Matrix, mesmo levando em conta que faço parte da geração dos "quarentões e trintões" que presenciaram o auge do sucesso e modismo em torno deste símbolo de uma geração, idealizado pelas já lendárias "Wachowski Sisters" autoras e diretoras de Matrix (1999).

Nem mesmo a tão alardeada menção à filosofia pop do teórico francês Jean Baudrillard e seu conceito revolucionário dos "simulacros" (vetores da realidade virtual) presente na base de concepção da franquia, jamais me seduziu a ponto de me fazer um autêntico fã ou entusiasta do filme, ao contrário de muitos amigos (cinéfilos ou não).
Por isso mesmo, já era de se esperar que eu fosse assistir a mais nova reencarnação da franquia, Matrix Resurrections, com certa resistência. O que de fato ocorreu. Mas, para minha surpresa, até que acabei gostando do novo filme, bem mais do que eu esperava. Pois a forma como ele parece se auto-parodiar, inclusive, às vezes, ironizando o próprio cansaço dos personagens principais em relação à trama original, torna o filme ligeiramente divertido.
Além disso, mesmo para um não-fã declarado do "universo Matrix", é impossível não admitir que seus personagens centrais: Neo (Keanu Reeves), Trinity (Carrie-Anne Moss) e Morpheus (Yahya Abdul Mateen II) são mesmo muito carismáticos.

Inclusive, a substituição do Morpheus original, vivido pelo veterano Lawrence Fishburne (Missão Resgate, 2021) pelo jovem Yahya Abdul (A Lenda de Candyman, 2021), deu mesmo um novo gás para o personagem. Embora seja fato que a saída de Fishburne da franquia se deu por um motivo nada nobre, ao qual nem convém mencionar aqui em detalhes.
Em termos técnicos, os efeitos especiais que permeiam boa parte de Matrix Resurrections, embora super competentes, já não impressionam com a mesma intensidade do que ocorria ao vermos, pela primeira vez, o filme original de 1999.

Merece destaque a competente direção de Lana Wachowski (O Destino de Júpiter, 2015), aqui assumindo o comando de tudo, longe de sua irmã Lilly Wachowski, velha parceira na concepção e direção dos episódios anteriores da franquia.
O ex-galã Keanu Reeves mostra ter adquirido maturidade como ator ao viver novamente o protagonista Neo, apesar de seu estilo sempre discreto de atuação.
Enfim, embora não traga grandes novidades técnicas ou mesmo temáticas, Matrix Resurrections, sem dúvida, constitui um prato cheio para os hoje "tiozões" fãs da já clássica franquia, lhes entregando muita ação, pirotecnia e personagens carismáticos com os quais se habituaram viver por mais de duas décadas. E realmente não cansa nem um pouco, apesar de suas quase 2 horas e meia de duração.