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NUM MUNDO SEM COR, TEMOS UM CORINGA NA MANGA?

por Vicente Vianna


Essa nova geração - chamada de geração “Z” e a anterior “Y” - que já pegou um mundo informatizado e colorido com videogame em 3D tem uma certa repulsa e um olhar de coisa antiga para filmes em P&B (preto e branco). E é justamente essa mesma geração que é entrevistada pelo protagonista - um documentarista, captador de áudio - chamado Johnny, que aborda as crianças com perguntas sobre suas expectativas do futuro. Tudo em P&B. Os depoimentos são reais, costuram a trama que é o relacionamento do tio cinquentão com o sobrinho de 9 anos.

Como acontece em vários filmes do Batman, onde o protagonista é ofuscado pelo coadjuvante, no caso o Coringa, aqui o garoto Woody Norman (Bruno, 2019), que faz o sobrinho Jesse, se sobressai ao protagonista, o tio Johnny (Joaquin Phoenix), que tem uma atuação morna, condizente com seu personagem sem maiores brilhos, já o menino-problema com um pai cheio de transtornos mentais e uma mãe paciente e amorosa, que opta por deixá-lo com o irmão enquanto cuida do marido, dá um show de interpretação.


Mike Miles (Mulheres do Século XX, 1999) é o cineasta independente americano que também roteiriza suas histórias. Aqui, a falta do colorido é para mostrar a melancolia das cidades americanas por onde o documentarista colhe depoimentos das crianças locais e tem em contrapartida as respostas delas com a esperança de um futuro melhor, sem deixar as cores distraírem o relacionamento entre o tio e o sobrinho.



Uma das técnicas de se fazer humor é a repetição, o diretor e roteirista a usa aqui para fazer drama. Ele planta e colhe a mesma coisa duas vezes. O tio se perder do sobrinho, por exemplo, e, não satisfeito, conta tudo que aconteceu ao telefone, no caso para Gaby Hoffann (Quem vê cara não vê coração, 1989) no papel de Viv, a mãe de Jesse, diga-se de passagem muito bem no papel. Se o intuito é a verossimilhança, ele esquece que o tempo no filme é outro totalmente diferente e o público já faz essas elipses necessárias e se emocionam do mesmo jeito. Assim torna-se cansativo e também com muitos apelos, que para mim, soaram forçados. O fato de ser P&B, sou suspeito para falar, pois tenho paixão por fotografia sem cores, e nesse caso acho que enriquece o drama, essa mesma história que me fez sair do cinema com a sensação de que o documentário que o personagem Johnny estava fazendo ia ficar melhor do que o filme que protagonizou.






10 ANOS COM FOME DE CULINÁRIA TRASH

por Vicente Vianna


Os planetas se alinharam de novo. 10 anos depois do último programa Larica Total (número 74 de 3 temporadas 2008 - 2012), eles voltaram em um programa-documentário com 1 hora de duração. Pelo jeito irreverente dessa turma, esperava esse alinhamento 9 ou 11 anos depois,enfim um número ímpar para quebrar essa fórmula certinha, porém, dentro da anarquia também existe ordem. E por mais liberdade e essa semiótica brasileira, com o DNA do Canal Brasil - como disse o diretor-geral do canal André Saddy -, há um roteiro muito bem elaborado e interpretado com maestria pelo ótimo ator Paulo Tiefenthaler (A Noite da Virada, 2014) - o solteirão gourmet safo Paulo de Oliveira.

Até o primeiro nome é o mesmo, como também a locação era o seu apartamento em Santa Teresa. Ficou difícil para ele desassociar um do outro, acabava de gravar e continuava em casa tendo que fazer sua comida. Certo dia, como conta, um dos seus relacionamentos amorosos falou pra ele, em seu quarto, ter a impressão que na cozinha estaria uma equipe de filmagem esperando por eles. A neura era tanta que não tinha mais como continuar e pararam no auge da audiência. Essa e outras histórias hilárias, por exemplo: Como surgiu a ideia do programa, o encontro e a química perfeita entre Caito Mainier (Uma Quase Dupla, 2018), Leandro Ramos (Juntos e Enrolados, 2022) e Felipe Abrahão - diretores e roteiristas - e Paulo Tiefenthaler (ator e roteirista), que dizem nunca ter brigado, fato raro nas amizades.


Eles Realmente criaram um produto onde tudo parece improviso, mas contam que o episódio do pão de queijo foi a terceira versão que foi ao ar, pois seguiam um roteiro, com frases e tudo mais planejados antes, e tinham o cuidado de acertar, porém, para o público dava a impressão que o apresentador do programa é um “youtuber”.

Esse especial está dividido em duas partes. A primeira, um documentário para relembrar como se conheceram, a ideia de mais um programa de culinária, porém com um olhar diferente, o porque de terminar quando estava agradando, o que aconteceu com cada um nesses 10 anos e o planejamento para a volta agora com o intuito de celebrar todo esse sucesso. O retorno ao apartamento, agora alugado por um jovem que trabalha na Petrobrás e permitiu por um modesto cachê fazerem a filmagem na velha cozinha. Segundo Paulo, "depois que a produção tomou conta ele com certeza se arrependeu, poderia ter cobrado mais".


A segunda parte é um episódio intitulado: ”Dedo no cozido e gritaria” onde Paulo Oliveira ensina a fazer um cozido com o que tem na geladeira. A energia está de volta! Como diz Caito: “Parece que voltamos no tempo, nada mudou desde o começo", e "Se vamos fracassar que seja de maneira épica! E de novo fizemos da precariedade um Show!”


O solteirão gourmet está de volta! Para a geração fiel que até apoia em massa o livro de receitas do Larica na plataforma de crowdfunding Catarse (onde bateram a meta em 2 horas), é uma alegria que demorou 10 anos para se realizar, e, para os que não conhecem, sobretudo a molecada, é a chance de se identificarem também, pois todo ser vivo sabe que a fome é universal. Viva a culinária trash!




QUANDO A ESTÉTICA É ABSOLUTAMENTE TUDO NUM FILME



por Ricardo Corsetti


Eu confesso ser do time que até hoje achava que o norte-americano Paul Thomas Anderson era mesmo o diretor de um único filme: o já clássico Boogie Nights - Prazer Sem Limites (1997), mas, felizmente, e para minha surpresa, Licorice Pizza - seu mais recente trabalho - me fez rever a opinião.

Pois embora a trama do filme seja bastante simples e até pueril, é justamente aí que se encontra seu mérito, bem como também na impecável composição visual em termos de fotografia e direção de arte.


Além da primorosa reconstituição de época que remete ao início dos anos 70, o trabalho de fotografia de Licorice Pizza é belíssimo, pois recompõe, com perfeição, o tom amarelado que caracterizava as produções - rodadas em película - no cinema setentista. Temos de fato a sensação de estarmos vendo um autêntico filme setentista, rodado em película, embora aqui, evidentemente, não seja o caso, pois tamanha perfeição em recompor a estética dos anos 70 se deve não apenas ao trabalho de fotografia, bem como a uma primorosa pós-produção no sentido de se "recriar" tal estética.


Foi extremamente prazeroso ver "Licorice" na tela do cinema, pois, curiosamente, ele me causou a sensação de estar em meus tempos de infância sentado na poltrona da sala de casa, vendo uma autêntica Sessão da Tarde na antiga TV Sharp dos meus pais, comendo pipoca e esperando pelos comerciais típicos da TV aberta, para poder tecer comentários sobre o filme com meu finado e saudoso pai.



E é exatamente esse o grande trunfo de "Licorice", tocar fundo o coração e a memória afetiva de quem viveu a transição dos anos 70 para os 80, vendo TV em casa, ao lado da família.


Destaque para a ótima dupla de protagonistas, constituída pelos jovens estreantes em longa-metragem, Cooper Hoffman (filho do saudoso Philip Seymour Hoffman, a propósito) e Alana Haim, atriz e vocalista da banda de pop rock Haim. Ambos são puro talento e carisma!

Por outro lado, as pequenas participações especiais de Sean Penn (Milk - A Voz da Igualdade, 2008) e Bradley Cooper (Joy - O Nome do Sucesso, 2015), embora divertidas, são esquemáticas demais e até um tanto afetadas. Obs: sim, é possível que a orientação que ambos receberam do diretor - em termos de atuação - seja justamente essa, mas, realmente não funcionou como deveria. Já o figuraça Tom Waits (Down By Law, 1986), por sua vez, funciona muito melhor com o tom afetado que sempre o caracterizou, em sua pequena, mas marcante participação na cena do bar.


Paul Thomas Anderson sempre costumou pecar pelo prolongamento desnecessário da narrativa e aqui, embora isso não chegue a verdadeiramente comprometer o resultado, há alguns poucos momentos em que as 2 horas e 17 minutos de Licorice Pizza chegam a cansar um pouquinho, mas nada que não seja facilmente compensado pelos vários outros méritos do filme, tais como a excelente trilha sonora, recheada de clássicos do southern rock, folk, country e soul music setentista.


Em suma, Licorice Pizza é um autêntico deleite para os olhos e ouvidos do espectador. Uma deliciosa Sessão da Tarde de primeiríssima!




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