
MICHAEL BAY DE VOLTA ÀS ORIGENS
por Ricardo Corsetti
Desde a época dos primeiros trabalhos de Michael Bay como diretor - Os Bad Boys (1995) e A Rocha (1996) -, filmes descompromissados e extremamente prazerosos de assistir, o cineasta infelizmente foi tragado tanto pela megalomania em termos de produção, quanto por um "americanismo" intragável, comprometendo em muito a qualidade de boa parte de seus trabalhos posteriores.
Por isso mesmo, é com agradável surpresa que vejo seu mais recente trabalho Ambulância - Um Dia de Crime, onde ele parece ter recuperado o real prazer de fazer cinema, acima dos discursos americanófilos e da megalomania por si só.

O estilo característico do diretor, obviamente marcado por malabarismos de câmera, anteriormente realizados por meio de gruas gigantescas e hoje, muito provavelmente, por meio de drones (visto que há muitas panorâmicas no filme), além da típica montagem extremamente "picotada", claro, continua presente.
A trama - bastante simples e previsível - gira em torno de um assalto que acaba dando errado e, obviamente, faz com que a situação fuja totalmente ao controle de seus idealizadores, envolvendo uma série de pessoas aleatórias e inocentes no decorrer da história. Mas tudo é contado com bastante humor, algumas boas piadas e elenco talentoso. Obs: em determinados momentos, é fato que a verossimilhança é simplesmente jogada para o alto, mas, até aí, pra quem ainda não notou, isso é cinema (o campo absoluto da ficção) e não a realidade, não é mesmo? E como já dizia até mesmo o mestre supremo Alfred Hitchcock (1899 - 1980): "Às vezes, para se construir uma boa cena, é preciso simplesmente esquecer da verossimilhança".
O ótimo elenco principal: Yahya Abdul-Mateen II (A Lenda de Candyman, 2021), Jake Gyllenhaal (O Segredo de Brokeback Mountain, 2005) e Eiza Gonzalez (Godzilla vs Kong, 2021) colabora em muito para o êxito do filme.

O experiente Jake Gyllenhaal, aliás, estranhamente é quem apresenta a atuação mais mediana e previsível. Enquanto Yahya Abdul-Mateen, é puro carisma e Eiza Gonzalez esbanja charme e talento ao viver a socorrista involuntariamente envolvida na trama.
Enfim, se Ambulância - Um Dia de Crime sobrevive bem até à análise de um não fã confesso de Mr. Bay assim como eu. Creio que o filme realmente tem tudo para agradar a seu grande número de fãs ardorosos (eu mesmo, conheço alguns) aqui no Brasil.

UMA TENTATIVA DE FUGIR AO ÓBVIO NO CINEMA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO
por Ricardo Corsetti
O cinema brasileiro pós retomada a partir de 1994, salvo exceções, passou a - quase que exclusivamente - se resumir a dois tipos de filmes: de um lado, as comédias de apelo popularesco e formato de programa humorístico televisivo, produzidas em grande escala e, do outro lado, os chamados "favela movies" que, tanto para o bem quanto para o mal, passaram a ditar o formato e temática característicos de boa parte da produção cinematográfica brasileira, desde o lançamento do célebre Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002).

Dito isso, é com agradável surpresa que vejo um novo filme que, felizmente, se diferencia de ambas as correntes dominantes no cinema brasileiro dos dias atuais. A Espera de Lis corresponde muito mais a um drama intimista, que me fez lembrar até o estilo do saudoso diretor e roteirista paulista Walter Hugo Khouri (Noite Vazia, 1964), o autêntico pai do "existencialismo" no cinema brasileiro.
Não sei até que ponto se trata de uma referência consciente no filme dirigido pelo jovem ator Bruno Torres (Somos Tão Jovens, 2013), estreante na direção de um longa-metragem, mas, de qualquer forma, é saboroso ver um filme contemporâneo que me remete à época em que o cinema brasileiro não estava tão preso e condicionado a "fórmulas infalíveis do sucesso" como ocorre atualmente.
O diretor constrói alguns belíssimos planos, reforçados e realçados pela linda fotografia. E realçando o belo trabalho de fotografia, direção de arte e direção geral, propriamente dita, de A Espera de Lis está o ótimo elenco, com destaque para a sempre bela e talentosíssima Rosanne Mulholland (A Concepção, 2006) vivendo Lara (irmã da protagonista) e também para o sempre ótimo Zécarlos Machado (Ação Entre Amigos, 1998) vivendo o pai das irmãs que protagonizam a trama.
Destaque ainda para a pequena, mas divertidíssima, participação de Murilo Grossi (Rodantes, 2019) logo na parte inicial do filme.

O momento em que o personagem Miguel (vivido pelo próprio diretor) entra em cena em meio às belíssimas paisagens venezuelanas, constituem praticamente um outro "filme dentro do filme", dando um certo tom documental e até de road movie (filme de estrada), em contraponto ao caráter bem mais intimista oferecido pelo outro núcleo da trama, representado pelas irmãs Lis (Simone Iliescu) e Lara (Rosanne Mulholland). Ótima sacada em termos de equilíbrio entre diferentes camadas da história.
Em suma, foi mesmo muito bom ver este filme, no meu entender, tão dispare em relação ao mais do mesmo que costumamos encontrar nas produções nacionais contemporâneas. Que venham novas surpresas!

TENTANDO SUPERAR O POLITICAMENTE CORRETO, MAS SEM SAIR DO LUGAR COMUM
por Ricardo Corsetti
Por um lado, é extremamente louvável a proposta de Os Caras Malvados no sentido de, enquanto filme de animação, transpor a barreira do lugar comum em termos de roteiros do gênero, que quase sempre abordam histórias de transformação de caráter por parte de seus protagonistas, mas no fundo, no fundo, esta mega produção da DreamWorks em conjunto com a Universal não avança muito em relação a tudo aquilo que já vimos em 99% dos filmes do gênero animação.

O filme utiliza - sem dúvida - ótimas referências, que vão desde Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994) logo em sua cena de abertura, até Onze Homens e um Segredo (Steven Soderbergh, 2002) por exemplo. Mas, apesar dessas referências inusitadas para um filme dirigido ao público infanto-juvenil e da inegável perícia do jovem diretor/animador francês Pierre Perifel (estreante em longa-metragem) em trabalhar tais referências e manter um ritmo ágil no desenvolvimento da trama, é difícil não se decepcionar com o progressivo retorno a uma trama moralista e convencional, que busca, acima de tudo, a readequação dos personagens "marginais" ao mundo dos "cidadãos de bem".
O convencionalismo ao qual a trama acaba se rendendo se torna ainda surpreendentemente frustrante ao nos darmos conta de que o ótimo Ethan Coen (Onde Os Fracos Não Tem Vez, 2007) é corroteirista do filme.
Obs: Ok, sim, é claro que eu entendo que estamos falando de um filme primordialmente destinado ao público infanto-juvenil e, portanto, é previsível que ele não possa ir tão longe no sentido de estimular o desvirtuamento dos valores éticos estabelecidos, é verdade. Mas ainda assim, acho que ousar um pouquinho mais na ausência de maniqueísmo com a qual os personagens são construídos, não faria mal a ninguém.

Talvez o ponto alto de Os Caras Malvados seja mesmo o personagem "Doutor Marmelada", vivido por um fofo porquinho da Índia que, digamos assim, será o único personagem do filme que, de fato, sofrerá uma grande transformação ao longo da trama.
Show de técnica em termos de animação e direção de arte, Os Caras Malvados peca, porém, ao oferecer um produto que vai pouquíssimo além do convencional, apesar de sua roupagem teoricamente inovadora.