
INFÂNCIA ROUBADA
por Ricardo Corsetti
Filmes que abordam um cotidiano permeado pela guerra quase sempre tem que driblar dois "perigos" básicos: o risco de pecarem pelo excesso de panfletarismo (pró ou anti-guerra) ou de caírem num excesso de sentimentalismo em relação aos envolvidos.

Felizmente, Líbano, 1982 não se excede em nenhuma destas questões, primando pela delicadeza ao retratar o universo infantil (e também adulto, é claro), tendo que aprender a viver sob um contexto de permanente tensão, visto que o risco iminente da guerra se aproxima a cada dia que passa.
A experiente Nadine Labaki, diretora dos ótimos Caramelo (2007) e Capharnaum (2019), exibe aqui talento também como atriz, ao co-protagonizar a trama ao lado do garotinho estreante Mohamad Dalli, vivendo o tímido, mas ao mesmo tempo corajoso, Wissam.
O diretor (também estreante) Qualid Mouaness, demonstra talento e sensibilidade na condução dessa história que combina, com equilíbrio, os dramas e dilemas pessoais vividos pelos personagens, com o panorama geral permeado pelo clima de constante tensão devido à iminente e inevitável invasão da capital libanesa - onde vivem - que se aproxima.

É interessante frisar que, ao contrário de outros já clássicos filmes ambientados sob o contexto de aparentemente eterna tensão bélica no Oriente Médio, assim como O Gosto da Cereja (Abbas Kiarostami, 1997) e Kedma (Amos Gitai, 2002), 1982, Líbano não se orienta por uma linguagem necessariamente autoral e com ritmo peculiar (difícil de ser assimilado pelo grande público), mas sim por uma trama simples e conduzida com o ritmo adequado ao gosto de plateias convencionais.
Portanto, Líbano, 1982 pode até não se inserir entre os grandes filmes que retratam o universo infantil, tais como Os Incompreendidos (François Truffaut, 1961) e Cria Cuervos (Carlos Saura, 1975), por exemplo. Mas, com certeza, tem tudo para agradar o público jovem contemporâneo.
Obs: destaque para a magnífica beleza de Nadine Labaki, que é mesmo de encher os olhos.
Atualizado: 1 de jul. de 2023

JÁ VEM PRONTO E TABELADO, É SOMENTE REQUENTAR...
por Ricardo Corsetti
O grande (pra não dizer único) trunfo de Jurassic World: Domínio é mesmo apostar no saudosismo do público quarentão para tentar atraí-lo aos cinemas para ver um filme que, na prática, não oferece - ou mesmo, acrescenta - nada de novo à saga empreendida pela franquia iniciada em 1993.

Nem mesmo o inegável carisma do elenco capitaneado por Sam Neill (Possessão, 1981), Laura Dern (Coração Selvagem, 1990) e Bryce Dallas Howard (A Vila, 2004) é verdadeiramente capaz de sustentar uma trama que vai do nada a lugar nenhum, se perdendo em meio a diversas pequenas subtramas paralelas e mal desenvolvidas.
Méritos técnicos à parte, nem mesmo os efeitos especiais caríssimos chegam de fato a empolgar, devido à overdose de CGI (computação gráfica).
Ah, impossível não comparar, e assim constatar, a eficiência bem superior dos efeitos especiais orgânicos utilizados por Steven Spielberg em Jurassic Park: Parque dos Dinossauros (1993), embora, hoje em dia, muita gente possa partir da tese (equivocada, aliás) de que tais efeitos seriam "obviamente superados".

A direção a cargo de Colin Trevorrow (O Livro de Henry, 2017) é competente, mas sem qualquer personalidade, falta "assinatura" de diretor. Por isso mesmo, apesar da qualidade técnica da produção, em determinados momentos, as duas horas e 37 minutos do filme pesam como chumbo.
Em suma, apesar de toda a grandiosidade e parafernália tecnológica, Jurassic World: Domínio, para não perder o trocadilho, soa mesmo como um imenso mastodonte atolado na lama (ou no excesso de confiança de que um filme pode se sustentar apenas por efeitos especiais). Resta, somente, o clima de saudosismo para os antigos fãs da franquia.
Atualizado: 1 de jul. de 2023

MANTENDO E RENOVANDO A TRADIÇÃO DO HUMOR NO CINEMA BRASILEIRO
por Ricardo Corsetti
Já foi dito por gente do porte de um Caetano Veloso (O Cinema Falado, 1986) ou de um Selton Mello (O Palhaço, 2011) que "a autêntica vocação do cinema brasileiro sempre foi o humor". E eu concordo plenamente com eles, afinal, basta lembrar das lendárias chanchadas cinquentistas realizadas pela igualmente lendária produtora carioca Atlântida Cinematográfica e do quanto a estética e linguagem de seus filmes influenciaram (e ainda influenciam) a linguagem e formato dos programas televisivos de humor, por exemplo.

4 Amigas Numa Fria, escrito pelo renomado roteirista e produtor Paulo Cursino, porém, embora até possa se inserir na citada tradição do humor brasileiro, na verdade flerta claramente com a temática característica das comédias românticas norte-americanas, realizadas em grande quantidade ao longo dos anos 90 e início dos anos 2000. E não há problema algum nisso, pelo contrário, pois tal flerte assumido com outras linguagens e formatos é extremamente bem-vindo em termos de renovação do humor brasileiro.
O único problema é que, nem sempre, em 4 Amigas Numa Fria, esse flerte com um tipo de humor não necessariamente característico de nosso cinema e cotidiano real funciona tão bem quanto poderia. Mas há ótimos momentos no filme, sobretudo nas sequências protagonizadas pela divertida dupla formada por Lud (Micheli Machado) e pelo "argentino" vívido pelo sempre ótimo Charles Paraventi (Chamas da Vingança, 2004).

A sempre bela Fernanda Paes Leme (O Homem que Desafiou o Diabo, 2004) é puro charme ao viver a "caliente" Karen, embora nem sempre acerte no tom da composição de sua personagem. Maria Flor (A Suprema Felicidade, 2010), por sua vez, vive o clássico estereótipo da mocinha/heroína de comédia romântica com competência, mas sem grandes diferenciais em relação a qualquer outra encarnação desse tipo de personagem na história do subgênero comédia romântica.

A bela e carismática Priscila Assum merece destaque quanto à divertida composição de sua personagem (Josie) em meio às dúvidas e inseguranças típicas da jovem de classe média que, um dia, finalmente cria coragem para deixar o ninho materno.
O experiente diretor Roberto Santucci (Bellini e a Esfinge, 2001) parece errar um pouco a mão na condução da trama, mas nada que comprometa o resultado final.
Produção caprichada e reforçada pelo charme da região de Bariloche (Argentina), onde a coragem do roteirista, no sentido de não se intimidar ao construir algumas sequências que não obedecessem aos ditames do humor politicamente correto dos dias de hoje, é digna de nota.
Apesar de suas imperfeições no conjunto entre roteiro, direção e tom das atuações, 4 Amigas Numa Fria é bastante válido enquanto tentativa de renovação do gênero humor, tão característico do nosso querido Cinema Brasileiro.