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PROFISSÃO: ARTHUR MOREIRA LIMA


por Vicente Vianna


Em 2001 o pianista erudito Arthur Moreira Lima cansou de ser estrangeiro no seu próprio país, como ele mesmo diz, pois participou de muitos eventos e concursos internacionais nas Américas, Europa, Ásia, viajando o mundo com o seu piano. Então teve uma idéia, comprou um caminhão com o intuito de levar a sua arte de forma gratuita para a população brasileira carente em locais onde dificilmente presenciariam um concerto de piano. O caminhão palco foi desde a favela da Rocinha no Rio de Janeiro até a Oiapoque no Amapá, também pegando balsa pelo rio Solimões no Amazonas, passando por distritos minúsculos; como de Andrequicé de 2.000 habitantes em Minas Gerais. Ao todo foram 500 cidades brasileiras.

O diretor estreante Marcelo Mazuras escreveu um livro dessa empreitada chamado: O Piano e a Estrada. Por que não fazer um documentário do nosso maior pianista vivo?


Já tinham feito 400 cidades quando lançaram o livro, colocaram uma meta de mais 100 apresentações para o registro do documentário. Todo o planejamento da produção, os profissionais envolvidos, caminhão palco, a logística para o transporte do piano de cauda, só pôde ser viabilizado com os recursos do Ministério da Cultura de São Paulo e os patrocínios da Scania, Correios, Petrobras e Caixa Econômica Federal.


Mazuras foca o documentário no trajeto com alguns depoimentos do protagonista sobre sua vida. Usa imagens de arquivo do Jornal do Brasil, fotos da infância de Arthur e concertos da TV Polonesa em 4X3. Nada de depoimentos de próximos ao maestro para contar sua trajetória, ele prefere usar o encantamento da platéia ao ouvir o tocante som do piano. Vemos o impacto nos rostos das pessoas, crianças, jovens e idosos, ninguém fica impune.



Lembro-me quando via os filmes dos irmãos Marx onde sempre tinha um solo de piano e outro de harpa executados respectivamente pelos irmãos Chico e Harpo. Eu ficava preso, maravilhado com a música que mexe com a nossa emoção e também vi isso aqui no documentário, no público ao assistir o fantástico Arthur Moreira Lima.


Nosso maestro-mor quebra o paradigma que os concertos eruditos são elitistas. Arthur sabe exatamente o que significa a frase do humorista Millôr Fernandes: “A música de todas as artes é a única que te ataca pelas costas”.

Um documentário como esse requer mais cuidado com o áudio, desde sua captação até o produto final. A equipe de som está de parabéns. Murilo Correa (Som direto), Dênis Martins (operador de som), Mírian Biderman (supervisão e edição de áudio), Ricardo Reis (desenho de som e mixagem) e toda equipe de técnicos assistentes de som da Effects Filmes.


Vemos um Arthur já idoso que começou a estudar piano desde os 6 anos e recebeu seu primeiro dinheiro para tocar aos 8, embora reclame da infância perdida nas brincadeiras com as outras crianças, como o futebol que tem paixão como torcedor do tricolor carioca, compensou isso tocando o seu objeto de estudo ferrenho, o piano, com a execução do hino do Fluminense no Maracanã, na despedida do atacante Fred. A vida são escolhas que fazemos em detrimento de outras.


Esse incansável amor pela música é passado aqui pelo talentoso maestro que, sem dúvida, toca piano com elegância e técnica para se colocar como veículo dos compositores.

Especialista em Chopin, Liszt, Bach, Beethoven, também encanta com os brasileiros Ernesto Nazareth, Villa Lobos e os mais populares Pixinguinha e Tom Jobim. O documentário responde a uma pergunta que me passou pela cabeça: Após tantos anos de estudos interpretando os mestres da música erudita com maestria de uma sensibilidade beirando o espiritual, será que ainda sobra tempo para compor seus próprios arranjos?


É bom ver esse exemplo de ser humano que propaga a sua arte para os lugares mais inusitados, contemplando os brasileiros, numa ação social a ser seguida por outros músicos. Um deles, deve ter se inspirado no maestro, e quando terminou o programa de Jô Soares (1938 - 2022) na TV, o Derico, do Quinteto Onze e Meia, resolveu também rodar o Brasil em um caminhão-palco para um concerto itinerante gratuito para a população.


Hoje, Arthur Moreira Lima é um profissional de si mesmo. Sua profissão: Arthur Moreira Lima que leva com alegria a emoção da música para todos.




Atualizado: 12 de fev. de 2023




FORA GENOCIDAS!


por Vicente Vianna


Vencedor de Melhor Filme no Barcelona-Saint Jordi International Film Festival 2022 e exibido no Festival do Rio em outubro, o filme é baseado em um dos principais documentos do Holocausto, as atas altamente confidenciais da Conferência de Wannsee gravadas por Adolf Eichmann (1906 - 1952), encontradas após o fim da Segunda Guerra.

É um filme sobre a crueldade humana. Necessário, como todo filme em que o assunto é o Holocausto, essa barbárie insana que aconteceu na Segunda Guerra Mundial, para não nos fazer esquecer o que aconteceu, servir de alerta (sobretudo às novas gerações) e para isso mostra como foi construído esse bizarro pensamento. Tudo com o intuito de nunca mais ser repetido.



Um filme alemão falando de um dos maiores crimes da humanidade, cometido pela Alemanha. Talvez, por pensamentos fascistas ainda passarem pelas cabeças de alguns jovens alemães e também, como vemos no mundo, a questão da imigração sempre teve vários problemas não só na Europa. Agora, em outubro/2022 nos EUA, Nova York declara estado de emergência devido à chegada de milhares de imigrantes numa crise de jogo de empurra entre os Democratas e Republicanos e até aqui no Brasil a invasão de venezuelanos em Roraima. Sobra para os governos estudarem uma forma de dosar a compaixão com os recursos financeiros.


Esse tema tão importante é tratado no filme para nos alertar contra o antissemitismo e o racismo. A Conferência nos faz ver que devemos ficar num estado de vigilância constante para combater essa barbárie que se inicia com a força das palavras.

O filme se passa todo no local da reunião, o que se assemelha ao filme Doze homens e uma sentença (Sidney Lumet, 1957). Neste, uma decisão a ser tomada pelos membros do tribunal do júri que vai determinar se vive ou morre um jovem imigrante acusado do assassinato do pai. Já A Conferência é a administração de uma decisão de Hitler em promover um assassinato em massa dos judeus da Europa. Em ambos os filmes ficamos presos aos diálogos, às discussões, às idéias criativas de convencimento. Só que A Conferência não é uma ficção e ficamos assustados com a forma fria e prática, como em uma reunião de marketing, onde os envolvidos buscam suas ambições de carreira, não em cima de um serviço ou produto, mas no assassinato em massa de milhões de pessoas. A logística é bizarra. É preciso estar destituído de qualquer sentimento humano. E os alemães estavam e se sentiam importantes em fazerem parte deste período histórico do mundo. Não tem como não lembrar de A Lista de Schindler (Steven Spielberg, 1993), onde vemos o comandante Amon Goeth que está na reunião de A Conferência junto com outras autoridades da época. Ele, por deter o poder sobre o gueto de Cracóvia, treinando pontaria com os judeus, um assassino em série que esconde sua natureza cruel como um funcionário de um esquema nazista. E também como foi sagaz o alemão Oskar Schindler (do título do filme) em corromper todo esse sistema arriscando sua própria vida.


Tem uma hora que um trem cheio de mulheres é direcionado para a morte em Auschwitz. Ele vai lá, suborna o comandante e muda a rota do trem. E de várias outras formas na sua fábrica de panelas ele consegue mandar milhares de judeus para longe dali. Ficamos pensando: teve uma pessoa que conseguiu ludibriar a rigidez desse sistema mostrado no A Conferência.

Voltando ao filme em questão, a total falta de trilha sonora é proposta pelo diretor Matti Geschonneck (Das Ende einer Nacht, 2012) para que o espectador veja a reunião com a maior veracidade possível sem a influência dramática da música, só os ruídos reais de uma mesa de reunião corporativa e do buffet da hora do lanche. Geschonneck é um diretor alemão, membro da Academia Européia de Cinema, casado com a atriz e diretora também alemã Ina Weisse (Nunca deixe de Lembrar, 2019), seu primeiro filme foi em 1991 - Moebius -, depois fez muitos programas para TV alemã - como um seriado policial - e recebeu vários prêmios de melhor filme de TV Alemão, tendo sua direção elogiada pela crítica européia. Ele se juntou com os seus conhecidos roteiristas alemães: Magnus Vattrodt (Das Ende einer Nacht, 2012) Paul Mommertz (roteirista premiado da TV Alemã) e com um grupo de atores alemães e austríacos talentosos do mercado europeu, e com Lilli Fichtner, uma atriz competente da TV Alemã. Assim montaram a dramaturgia baseada em uma minuciosa pesquisa da Conferência de Wannsee.


A locação externa foi no lugar real que hoje é um museu na vila Berlin Wannsee - no sudoeste de Berlim - e o interior nos estúdios Berliner Union Film, que recriou toda a mobília e tudo mais, de acordo com os registros históricos, e está impecável assim como todo o figurino e a direção de fotografia magistral.


Recomendo ir ao cinema como se fosse ao teatro. Por se passar a maior parte do tempo em uma locação, comparo a performance do filme e a atuação dos atores a uma ótima peça de teatro. Meu desejo inconsciente é que A Conferência tivesse um final a la Quentin Tarantino (Pulp Fiction - Tempo de Violência, 1995), um incêndio, um terremoto, uma avalanche que matasse todos ali naquela sala, na ficção fica fácil, porém, na vida real não foi assim e A Conferência é a vida real.






UM MERGULHO NO FEMININO


Com direção de Gregorio Graziosi (Obra, 2014), Tinnitus precisa de uma explicação antes de se falar deste filme. É a definição do que seria isso. Tinnitus é um zumbido ou chiado causado por lesões no pescoço, cabeça, efeito colateral de remédios ou super exposição a sons altos. E é disso que sofre a atleta de mergulho Marina (um nome que remete à água), interpretada pela belíssima e muito premiada Joana de Verona (Vanda, 2022). E é isso que vai modificar sua vida após perder uma competição nas Olímpiadas, quando sofre o primeiro ataque.

A partir daí, Marina abandona as competições e passa a trabalhar como sereia de aquário. Mas com o incentivo de Teresa - interpretada por Ali Willow (Bacurau, 2019) -, a atleta que entrou no seu lugar, ela se joga em uma luta para retornar ao seu sonho que é o salto sincronizado. Sua trajetória torna-se uma jornada de superação, ao mesmo tempo que o zumbido que a atormenta é um empecilho também se torna uma motivação para questionamento de si mesma e do mundo ao seu redor. Simbolicamente, ela precisa voltar a superfície depois de um mergulho que parece não ter volta. Se joga em uma batalha em busca da perfeição.


Gregorio Graziosi nos entrega um espetáculo imagético e sonoro sofisticado onde cada item está perfeitamente alinhado com as intenções do diretor. A trilha sonora do inglês David Boulter (Bastardos, 2013) é um ponto forte com uma música mesmerizante, assim como o desenho de som de Fábio Baldo (Antes o Tempo Não Acabava, 2016) que inunda o filme com o zumbido fazendo com que o espectador sinta a mesma angústia da personagem (às vezes um pouco em demasia). O zumbido que atormenta a personagem e o espectador age como a cor no magnífico As Horas (Stephen Daldry, 2002) onde a cor violeta que está presente no mundo das 3 protagonistas é um símbolo de inquietação e angústia.


A Direção de Fotografia é do português Bruno Poças (Fogo-Fátuo, 2022) que nos surpreende com um espetáculo de cores contrastantes que variam dos azuis e verdes a um ocre forte. Há uma linda cena repleta de simbolismo quando vemos Marina diante do quadro Moema - de Victor Meirelles - e com os mesmos tons ocre da pintura. É uma ligação óbvia com a história da índia que se lançou ao mar para nadar atrás da caravela que leva embora seu amado Caramuru (Diogo Álvares Correia). E esse é a premissa do filme: uma personagem que se lança na água em busca de seu sonho. Um dos variados detalhes que demonstram a riqueza dessa obra.

O roteiro foi feito a 6 mãos pelo diretor, Andres Veras (Era Uma Vez Uma História) e Marco Dutra, este uma grande figura do nosso cinema que nos entregou O Silêncio do Céu (2016) e Trabalhar Cansa (2011) e, acho eu, responsável pela atmosfera repleta de simbolismo desse filme que pode ser encarado como um mergulho no feminino assim como um exemplo que o cinema brasileiro está dando passos para a frente.


Vale muito a pena ver essa obra que é um verdadeiro deleite para os olhos e ouvidos. O zumbido quando toma conta das cenas chega a incomodar, mas isso faz parte da intenção do diretor que nos faz mergulhar na história e no sofrimento de Marina.




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