Atualizado: 23 de jun. de 2023

DOÇURA E DENÚNCIA SOCIAL NA MEDIDA CERTA
por Ricardo Corsetti
A estreia do experiente e premiado diretor japonês Hirokazu Kore-eda (Assunto de Família, 2019) numa produção sul-coreana é mesmo muito interessante pois, embora mantenha o estilo característico do diretor, Broker procura também se adequar (ou até mesmo se moldar) ao moderno e pulsante estilo do cinema sul-coreano contemporâneo .

A temática envolvendo questões e conflitos familiares (bastante associada ao cinema de Kore-eda), conduzida com muita sensibilidade e até senso de humor na medida certa, felizmente, se diferencia muito da forma como um típico filme norte-americano envolvendo a temática do drama familiar, por exemplo, a abordaria. Não há excessos melodramáticos ou de sentimentalismo barato, nem atuações carregadas em busca do Oscar. Ponto para a personalidade de Kore-eda, portanto.
Aliás, por falar em atuações não carregadas, a discrição que caracteriza o tom das atuações de praticamente todo o elenco, inclusive do ótimo protagonista vivido por Song Kang Ho ("Parasita" - Bong Joon Ho, 2019), não significa que não haja emoção em suas atitudes ou diálogos, pelo contrário; apenas adequa seu tom a algo mais realista e menos afetado do que, conforme já mencionei, normalmente veríamos numa produção hollywoodiana (ou até mesmo brasileira).

O ritmo com o qual é conduzida a trama, ao longo de 2 horas e 09 minutos, às vezes torna um pouco cansativo o desenrolar da história. Mas, felizmente, o talento e experiência de Kore-eda, com um estilo caracterizado por poucos (mas precisos) movimentos de câmera e planos longos, seguram bem o desenvolvimento narrativo.
Tecnicamente bem realizado, com atuações adequadas ao estilo proposto e com um desfecho que guarda uma boa surpresa (talvez até perceptível a um olhar mais atento), Broker tem tudo para agradar ao espectador médio de cinema, ou seja, aquele que de fato ainda vai ao cinema e em busca de algo mais do que os blockbusters normalmente tem a oferecer.
Atualizado: 23 de jun. de 2023

AMOR SEM LIMITES
por Ricardo Corsetti
A conturbada relação conjugal entre o célebre compositor russo Pyotr Tchaikovsky (1840-1893) e sua esposa Antonina Miliukova (1848-1917) já havia sido retratada anteriormente em outras duas produções: no longa ficcional Delírio de Amor (Ken Russel, 1971) e também no documentário da BBC The Creation of Greatness (2007). Mas infelizmente, em ambos os casos, Antonina é vista de forma pejorativa, retratada como "louca e imprudente".

Nesse sentido, a recente produção russa A Esposa de Tchaikovsky possui, em primeiro lugar, o mérito de corrigir tal injustiça, ao retratar - de forma muito mais humana e complexa - a figura de Antonina que, aliás, era também compositora erudita.
Além de ser um filme tecnicamente irrepreensível, com belíssimo trabalho de direção de arte (cenografia e figurinos) em termos de reconstituição de época e bela fotografia também; A Esposa de Tchaikovsky corrige ainda outra grande injustiça histórica, fruto, é claro, da mentalidade e cultura vigentes naquele período: o preconceito em relação à homossexualidade de Tchaikovsky que o fez, inclusive, embarcar num casamento infeliz e de aparências, como forma de "dar uma satisfação à sociedade".

Tão relevante quanto isso é a revalorização histórica que o filme propõe em relação à Antonina Miliukova, mulher inteligente e com personalidade. E não apenas uma "louca apaixonada e imprudente", conforme as já citadas produções anteriores acerca do assunto, a tinham tratado.
O mais importante compositor russo da chamada "Era Romântica", bem como sua também talentosa e forte esposa, realmente mereciam um filme que os retratasse de forma humana e sem julgamentos morais. E felizmente, A Esposa de Tchaikovsky cumpre bem a missão.
Atualizado: 23 de jun. de 2023

IDEIA ESTICADA DEMAIS
por Antônio de Freitas
A evolução da tecnologia e as plataformas de mídia proporcionaram aos artistas novatos a chance de se projetarem no mercado com suas obras. O Youtube tem servido de vitrine para todo tipo de arte visual e, sem o controle das empresas de mídia, os novos autores podem divulgar suas experimentações que avançam em todos os tipos de gêneros, lançando novos diretores/autores a posições de criadores de obras maiores. E assim é Skinamarink – Canção de Ninar (Kyle Edward Ball, 2022), o resultado do sucesso de um curta-metragem de quase meia hora que causou certa sensação no Youtube.

Seguindo os passos de David F. Sandberg (Shazam!, 2019), que chamou atenção no Youtube com um curta-metragem de terror e o transformou em um longa-metragem muito divertido, Kyle Edward Ball marcou presença com sua obra onde uma criança acorda no meio da noite e procura pela mãe na escuridão da casa. Uma obra que faz parte do subgênero que já foi batizado de "terror analógico", curtas que se originaram por volta de 2010 e se utilizam de uma estética retrô que lhes dá uma aparência de vídeo de baixa resolução em obras que exploram sensações auditivas e visuais em histórias enigmáticas. Trata-se de um “filho” do casamento do estilo found footage e do que foi chamado de Pós-terror. Do primeiro herdou a aparência de obra não profissional com enquadramentos pouco estudados e movimentos nervosos de câmera na mão. Do segundo, o uso pesado de atmosfera e simbolismos, convidando o espectador a preencher “lacunas” deixadas pelo autor e, portanto, tornando-se um “coautor” da obra.

Esta onda de filmes é anunciada como uma grande novidade, mas não passa de reciclagem do estilo de filmes de terror e suspense que foram deixados de lado em prol de sustos fáceis e cenas explícitas de violência com sangue voando para todo lado. Existe o lado bom de voltar a confiar na imaginação do espectador que vai povoar a escuridão com seus próprios medos e, ao interpretar os enigmas em formas de linguagem visual e sonora, vai transformar o filme em uma obra única e pessoal.

O curta-metragem Heck (Kyle Edward Ball, 2020) explora os medos atávicos infantis e apresenta imagens envoltas na escuridão com poucos detalhes da casa vazia, sendo vistos embalados por sons diegéticos; músicas antigas misturadas a sons naturais de uma casa, como rangidos de portas e passadas. Como toda pessoa tem essa memória de acontecimentos passados, a imersão na obra é automática e muito eficaz. A sensação é de angústia e antecipação de que algo ruim vai acontecer. Sentimentos que povoaram a mente de espectadores que viram as cenas da procura da menina desaparecida e o seu balão largado (uma indicação de sua morte) em M, o Vampiro de Dusseldorf (Fritz Lang, 1931) ou a paranoia da protagonista de Sangue de Pantera (Jacques Tourneur, 1942).
O efeito positivo dessa pequena obra levou à criação desse longa-metragem Skinamarink que, ao contrário dos dois antigos filmes citados, não usou estas cenas para criar momentos de tensão dentro de um conjunto de momentos diferentes que formam uma “escada”, conduzindo a um clímax. O diretor apenas engordou e esticou seu curta-metragem de sequência única. Agora são duas crianças que acordam no meio da noite, zanzam pela casa procurando pelo pai e descobrem que portas e janelas desapareceram. Daí somos apresentados a cenas longas de cantos de paredes, objetos jogados com alguns detalhes estranhos em belas e tétricas imagens, que são verdadeiras obras de arte com muitos filtros para parecerem imagens fora de foco ou estragadas pela baixa resolução e estática de TV analógica. A sensação de claustrofobia é imediata, mas o tédio também, porque a experiência torna-se repetitiva e, em pouco tempo, o espectador pode ficar enjoado de tanto olhar para cantos de paredes e escutar rangidos de portas e assoalhos de madeira.