Atualizado: 23 de jun. de 2023

ARI ASTER APOSTANDO ALTO
por Ricardo Corsetti
Um dos principais nomes da tendência contemporânea do novo cinema de horror, intitulada com a ultra pretensiosa alcunha de "Pós Horror", Ari Aster, autor dos badalados Hereditário (2018) e Midsommar - O Mal Não Espera a Noite (2019), aposta em novos caminhos no recente Beau Tem Medo.

Em primeiro lugar, ao contrário do que ocorre em seus trabalhos anteriores, é praticamente impossível rotular ou enquadrar o novo filme de Aster em qualquer gênero ou subgênero cinematográfico específico.
Repleto de referências jamais esperadas num filme de um diretor já vinculado/associado ao cinema de horror, tais como: Federico Fellini (1929 - 1993), mais especificamente Fellini Oito e Meio (1964) e David Lynch (Veludo Azul, 1986), o mais recente trabalho do badalado diretor é conduzido por meio de uma narrativa absolutamente não-linear, flertando com os mais diversos gêneros cinematográficos, com elementos que vão desde o drama familiar, passando por pitadas de horror e suspense. E ainda contando com momentos de humor bizarro (sobretudo no que se refere ao complicado relacionamento entre o protagonista e sua insuportável mãe), tem mesmo tudo para elevar a obra do diretor norte-americano a um novo patamar.

Ao longo das três horas de duração de Beau Tem Medo, é óbvio que há certas situações e cenas absolutamente desnecessárias, mas, visto que definitivamente não estamos aqui falando de um filme convencional - com desenvolvimento de trama linear -, tais momentos não chegam a comprometer o bom resultado, principalmente pela beleza do filme em termos de fotografia e cenografia.
Obs: Dizem, inclusive, que Aster já possuía o roteiro pronto e desejava filmar Beau Tem Medo bem antes de seu segundo filme oficial Midsommar (2019), mas acabou mudando de ideia e, evidentemente, preferiu esperar até ter a "moral" e credibilidade necessária à apresentação e realização de um trabalho tão autoral como este, por intermédio de um grande estúdio e, claro, com a estrutura necessária.

Dentre as muitas referências a obras de grandes cineastas, tais como os já citados, é possível também identificar semelhanças estéticas e em termos de, digamos assim, clima soturno e de sexualidade latente, como o último filme do grande e saudoso Stanley Kubrick: De Olhos Bem Fechados (1999).
O consagrado ator Joaquim Phoenix (Coringa, 2019) dispensa maiores comentários quanto à qualidade de sua atuação como protagonista. Mas, justiça seja feita, todo o elenco de Beau Tem Medo apresenta ótimos desempenhos pois, apesar do tom de algumas atuações parecer afetado em demasia, fica evidente que isso é intencional, em se tratando de uma clara opção em termos de direção de atores. E por isso mesmo, tudo funciona perfeitamente nesse sentido.
É, meus caros ególatras, Christopher Nolan (A Origem, 2010) e Darren Aronofsky (A Baleia, 2023), parece que vocês finalmente encontraram um concorrente à altura, em termos de egocentrismo. Mas ok, Aster parece ter mesmo talento para segurar a onda.
Atualizado: 23 de jun. de 2023

A VOLTA DOS DOCUMENTÁRIOS EM TELA GRANDE
por Beto Besant
Começou na capital paulista e carioca o maior evento de documentários do país, o É TUDO VERDADE - Festival Internacional de Documentários.
Na coletiva de imprensa - encabeçada por seu idealizador Amir Labaki - que aconteceu no Itaú Cultural da Avenida Paulista (São Paulo), estavam presentes Eduardo Saron (Itaú Cultural), Paulo Casari (Cinesesc) e Márcia Scapatício (SPcine). O diretor-fundador falou sobre a felicidade que é poder voltar a realizar o evento em edições presenciais.
O evento, que acontece de 13 a 23 de abril em seis salas em São Paulo e três no Rio de Janeiro, traz 72 filmes - entre curtas, médias e longas-metragens - de 34 países, todos com sessões gratuitas. Também acontecerão conferências, debates e sessões de streaming para quem estiver em outras regiões.
As sessões presenciais acontecerão em São Paulo no Cine Marquise, Cinemateca Brasileira, Sesc 24 de Maio, Instituto Moreira Salles e Centro Cultural São Paulo. No Rio de Janeiro acontecem no Estação Net Rio e Estação Net Botafogo.
No dia 22 acontecerá a Cerimônia de Premiação na Cinemateca Brasileira, na capital paulista. Os filmes premiados, independente de minutagem, estarão aptos à apreciação do Oscar. produções premiadas pelo júri oficial terão reapresentações especiais no Rio de Janeiro e São Paulo no dia 23 de Abril.
A 28ª edição do evento faz uma homenagem a Humberto Mauro (1897 - 1983) e a Jean-Luc Godard (1930 - 2022). Do brasileiro, serão exibidos dez filmes, além de dois documentários sobre sua obra. Do francês serão exibidos oito episódios da série Histórias do Cinema (1987 - 1998).
No streaming - que acontecerá no Itaú Cultural Play - serão exibidos dois filmes latino-americanos: Beleza Silenciosa (de Jasmin Mara López) e Hot Club de Montevidéu (de Maximiliano Contenti) e também sete dentre os curtas-metragens brasileiros em competição.
A coletiva de imprensa terminou com a exibição do filme Liberdade em Chamas, de Evgeny Afineevsky, que aborda a guerra na Ucrânia. Extremamente duro, o filme mostra como é difícil a vida de uma população refém de governantes que os obrigam a lutar - de todas as formas - e abrir mão de seus maridos, pais e filhos para a guerra, sem contar nas inúmeras pessoas mortas ou feridas. A obra nos coloca muito próximos da crueldade que essas pessoas vivem que, por mais que saibamos que nenhuma guerra é fácil, não temos tanta noção da dura realidade que essas pessoas estão vivendo atualmente. E pra piorar, os governantes responsáveis pela guerra e seus próximos estão muito longe do front.
A primeira versão do filme foi lançada no Festival de Veneza 2022, diante do não término da guerra, o cineasta fez uma atualização dos fatos e apresenta-a em primeira mão no Brasil.
Veja a programação completa em: www.etudoverdade.com.br
Atualizado: 23 de jun. de 2023

RELEMBRANDO OS ANOS NÃO TÃO DOURADOS
por Ricardo Corsetti O novo filme do cineasta brasiliense José Eduardo Belmonte, autor de A Concepção (2006) e Se Nada Mais Der Certo (2008), tem como pano de fundo o conturbado período situado entre 1964 e 1985, ou seja, as duas décadas em que o Brasil viveu sob o regime militar.

Boa reconstituição de época (embora o filme se passe em dois períodos distintos, na verdade) e uma atuação convincente de seu protagonista, vivido por Johnny Massaro (O Filme da Minha Vida, 2017) são, talvez, os únicos méritos do filme. O espírito de rebeldia e contestação que caracterizava o universo jovem da época, mais especificamente situado em 1973, ou seja, período dos "anos de chumbo" do governo Médici, é retratado com competência, inclusive ao apresentar as contradições internas e até certa ingenuidade por conta da geração que se propunha a "mudar o mundo". Destaque, por exemplo, para a cena em que um colega de faculdade da coprotagonista vivida por Júlia Dalavia (Até que a Sorte nos Separe, 2012), do tipo que vive pregando o desapego às coisas materiais, bem como a revolução, etc; aperta o controle do alarme de um automóvel, um Honda Civic, diga-se de passagem, e é questionado por sua amiga: "Ué, trocou de carro?" Ao que ele responde: "Não, este peguei empregado de papai, pois o meu está na oficina mecânica".

É também interessante notar que o filme parece representar uma espécie de, digamos assim, retorno às origens por parte de Belmonte, graças a seu viés razoavelmente autoral. Visto que, após seus primeiros trabalhos acima citados, o diretor havia optado por filmes bem mais comerciais. Por retratar toda a turbulência e contradições internas que caracterizavam aqueles anos não com competente reconstituição de época, O Pastor e o Guerrilheiro talvez valha a conferida - principalmente se for às quartas -, mas deixe seu cérebro em casa.