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JANELA INDISCRETA PORTENHA


por Antônio de Freitas


Meu Vizinho Adolf, dirigido pelo estreante Leon Prudovsky, começa com uma rápida cena de apresentação da família Polsky em Berlim no ano de 1934. Nota-se que são judeus e a esposa tem o hábito de esmigalhar cascas de ovos para adubar um pé de raras rosas de cor tão escura que parecem negras. A ação é interrompida para tirarem uma foto de família que acaba saindo um tanto desastrada. Com um corte abrupto a ação é transportada para uma pequena cidade não identificada da América do Sul, quando um jornaleiro vende jornais com a notícia do grande terremoto do Chile de 1960.

Do centro da cidadezinha, a ação vai para a zona rural onde nos é apresentado David Hayman (O Menino do Pijama Listrado, 2008) na pele do Sr. Polsky, cuidando da mesma forma de uma roseira exatamente como na cena inicial. É um solitário e mal humorado senhor que não fica muito feliz quando interrompem sua rotina diária. E é isso que acontece quando a advogada Frau Kaltenbrunner - interpretada por pela ótima Olivia Silhavy (A Dama Dourada, 2015) - se apresenta como representante de um homem de Buenos Aires que está interessado em comprar a casa ao lado. Ela avisa que o número de telefone está ilegível na placa e pergunta se ele sabe informar sobre o proprietário.


O mais que azedo Sr. Polsky se livra da mulher para se dedicar aos seus afazeres. Alguns dias depois, vê um caminhão de mudança chegando com móveis um tanto sofisticados para a região humilde onde mora, sendo colocados na casa. Trabalhadores aumentam os muros e irritam Polsky, que começa a observar seu vizinho misterioso. Este mal sai de casa e passa as tardes brincando com um pastor alemão visivelmente treinado. A situação se complica quando o cão passa por um buraco da cerca e faz suas necessidades no jardim alheio. Polsky enfurecido toca a campainha da casa ao lado, encontra o Sr. Herzog vivido pelo icônico ator Udo Kier (Bacurau, 2019) e reclama de forma azeda para receber uma resposta mais azeda ainda. O fato leva a uma típica briga de vizinhos que, inclusive, tem a ver com à posição errada da cerca onde está a amada roseira.



Implicado com o alemão ranzinza, o igualmente razinza Sr. Polsky começa a desconfiar do vizinho quando vê uma notícia da captura do criminoso nazista Adolf Eichmann (1906 - 1962) em Buenos Aires. A paranoia se instala e ele se dedica a provar que seu vizinho é nada mais nada menos do que Adolf Hitler em pessoa.

Ideia que é reforçada através da observação de vários detalhes do vizinho que se casam com os do infame ditador sanguinário. O que vem depois é um jogo de gato e rato que lembra muito o clássico Janela Indiscreta (Alfred Hitchcock, 1954) que, após uma série de sequências bem desenvolvidas, forma uma escada que leva a um desfecho repleto de reviravoltas consecutivas.


Aqui temos um filme simples e bem realizado com a presença de ótimos atores. Mas o diretor, que também é um dos roteiristas, peca por não apresentar direito a família de Polsky e, assim, criar uma maior empatia com os sentimentos de um homem que perdeu todos seus entes queridos no Holocausto. O mesmo para a apresentação do local onde tudo se passa e o momento retratado. Falta uma exposição da atmosfera de desconfiança quanto aos rumos tomados pelos oficiais nazistas após o fim da Segunda Guerra Mundial e a dúvida sobre o cadáver de Hitler que, segundo os soldados soviéticos, foi encontrado totalmente queimado e irreconhecível. Talvez as informações colocadas no filme sejam um tanto discretas demais para um espectador comum que não vai poder apreciar melhor essa eficiente comédia agridoce.




BATALHA DE UMA MULHER SÓ


por Antônio de Freitas


Já faz mais de duas décadas que diretores das mais variadas nacionalidades estão avançando sobre os gêneros que sempre foram dominados pelos filmes americanos. A Sindicalista (Jean-Paul Salomé, 2022) é uma dessas incursões e entra em um campo que não é muito explorado fora do dito cinema “hollywoodiano”. Trata-se do que poderia ser chamado de “thriller corporativo”, ostentando a insígnia de “baseado em uma história real”.

A história de uma pessoa que luta sozinha contra uma grande empresa é um subgênero bem característico do cinema americano, que já nos ofereceu excelentes filmes. E perseguindo este nível, o diretor e coautor do roteiro conta com tintas realistas a história da representante sindical Maureen Kearney, interpretada pela sempre excelente Isabelle Rupert (A Sra. Harris vai a Paris, 2022).


Mauren é encontrada amarrada, amordaçada e vítima de um bizarro estupro por uma empregada. Seu caso torna-se um escândalo na mídia, o filme dá um salto de meses para o passado e acompanhamos sua trajetória para descobrir como ela chegou ao ponto de sofrer um ataque deste porte. Sabemos que é a representante dos empregados da imensa empresa Areva, que lida com a energia nuclear da França cuja presidente e aliada dela é substituída por um homem histérico e machista que, no primeiro encontro, demonstra não ir com a cara da nossa protagonista, que anda fuçando em atividades um tanto obscuras da imensa corporação.

Na primeira parte vemos uma mulher lutando contra o machismo e a ganância que envolve não apenas os ocupantes de altos postos da empresa, mas políticos e homens muito poderosos que estão metidos em uma transação que pode prejudicar - e muito - os empregados que ela defende. Na sua trajetória vai encontrar aliados e inimigos entre homens e mulheres que, às vezes, vão apoiar o discurso machista dos antagonistas. As surpresas e reviravoltas são muitas no labirinto corporativo em que ela se mete e a história é contada de forma não linear até chegar ao ponto onde ela é encontrada na situação do início do filme.


Na segunda parte, o antagonismo vai além da empresa e dos executivos. Diante da revelação do passado de Mauren e seu comportamento, a sociedade e a mídia vão duvidar de seu relato e passar a questionar sua sanidade e ética. E assim é a reação de quem está assistindo, pois o diretor habilmente nos conduz a um estado de dúvida e uma hesitação ao escolher uma posição para julgá-la. Mauren vai ter que lutar contra o mundo que a cerca e a desconfiança do espectador.


A trama é muito bem conduzida com Isabelle Hupert que, apesar de estar com quase 70 anos e muito “botoxada”, interpreta a mulher durona com muita garra sempre acompanhada por ótimos coadjuvantes, que dão seus shows de interpretação naturalista em cenas com diálogos econômicos e tiradas inteligentes. Este estilo realista é uma marca do cinema francês e, fiel a ele, o diretor acaba deixando a obra um pouco morna e, por ser um thriller, precisando de umas pitadas dos exageros estilísticos do cinema americano. Talvez um ritmo mais nervoso, cores mais sombrias e até uma trilha sonora mais evocativa. Estes artifícios poderiam ajudar na guerra pelo público, porque são as armas usadas pelo inimigo.


Mas isso não tira o brilho desta autêntica obra francesa, com pitadas de crítica política e ataques diretos à hipocrisia da sociedade, que ainda rejeita mulheres que demonstram força e vontade para lutar contra os interesses escusos que regem nosso mundo e, muito pior, um mundo onde o poder ainda está concentrado nas mãos dos homens. A dupla Jean-Paul & Isabelle Hupert já nos entregou o delicioso A Dona do Barato (Jean-Paulo Salomé, 2020), provando que o cinema francês de gênero está em ótima forma. E este filme não foge à regra.




LINDA EMBALAGEM, CONTEÚDO RAZOÁVEL


por Ricardo Corsetti


O Cinema do diretor brasileiro Gregório Graziosi (Obra, 2014) parece ser mesmo marcado por muita pretensão e pouco resultado. Pois, assim como já ocorria num de seus trabalhos anteriores - citado no início deste parágrafo -, o que vemos em seu mais recente filme, Tinnitus, é exatamente isso: estética perfeita, com muito bom gosto - diga-se de passagem -, mas conteúdo fraquíssimo e ausência de clareza ou mesmo coerência narrativa.

A bela e competente dupla de jovens protagonistas: a atriz luso-brasileira Joana de Verona (Praça Paris, 2018) e a franco-brasileira Alli Willow (Bacurau, 2019), sem dúvida, são o ponto alto do filme.


Merecem destaque também, a ótima fotografia e direção de arte, não por acaso recentemente premiadas na última edição do Festival de Gramado.


No mais, como diria um antigo professor meu, o que se vê em Tinnitus é muita perfumaria e pouco conteúdo em termos de trama e, sobretudo, desenvolvimento de roteiro.


Personagens secundários que entram em cena com a mesma facilidade com que desaparecem ao longo da história, sem maiores explicações, caracterizam o filme.

Por vezes, quase um trabalho de videoarte (aliás, caso assumisse tal proposta, poderia funcionar muito melhor), Tinnitus tem ainda, como um de seus pontos altos, o bom trabalho de edição de áudio, bem como a competente trilha sonora, fundamentais inclusive para justificar e ressaltar o tema aqui abordado: perda gradual da audição por parte da protagonista.


Mas, ainda assim, as qualidades técnicas do filme - bem como a competência de seu elenco, com destaque até para a pequena participação de Antônio Pitanga (A Grande Cidade, 1964) - são pouco para justificar ou mesmo permitir o êxito comercial a Tinnitus. Uma pena mesmo.


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